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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

RESPOSTA

Não vou sujar a primeira página da agenda nova, nem gastar ainda mais a pena gasta, para deixar a ti a última resposta. Pensei em dar-lhe um silêncio eterno, forçar-lhe uma inexistência retumbante. Mas, assumo minha fraqueza! Meu cacoete de caráter! Minha inclinação para estender ao infinito este ruído.

Poderia, caso houvesse tempo e condição, estender uma faixa na rua principal, com borrões nas bordas, furos aleatórios e sombras de mau gosto em cada letra. Ou pichar algo cifrado no porão de alguma construção antiga, como um hieróglifo suburbano a atanazar o futuro dos arqueólogos ou dos antropólogos, ávidos pela decifração dos átimos de sentido desses rabiscos do capricho humano. Mas o mundo pode se acabar em menos tempo!

Pensei em escrever em espelho de espelunca, com esses batons de manteiga de cacau, literatura sem cor, sem signo, sem gosto, só uma pegajosa ideia. Cogitei fingir até um papel de guardanapo e uma escrita à trêmula mão, para parecer-lhe genial. Mas me falta algo que ampare o fingimento! Talvez aderir a uma busca pelo escuro da alma, a simular felicidade no inferno das noites, à entrada das sarjetas – essa existência simulada, onde ainda buscamos originalidade. Mas em tudo isto se insinua alguma ponta de fraqueza!

Fraqueza! Eu te respondo apenas porque sou fraco; porque fraquejo! Apenas porque não suportaria a total interrupção de sinais, o desaparecimento da tua sombra em minhas noites, a inapetência sem cor, desesperança. Respondo-te, resposta vã, desperdiçada, jogada ao espaço sem fim, porque, mesmo sabendo que talvez nem a ouça nunca, este é o único gesto, o único modo de deixar claro a mim mesmo, quantas vezes mais eu tentaria.

Por isto mesmo vou sujar, mais uma vez, a primeira folha da agenda nova, arriscando-lhe uma resposta!


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

OS JOVENS VELHOS


Curioso mesmo são estes jovens! Eles fecham a cara e fazem pose de machões! Exibem os músculos, como trunfos! E são exatamente a mesma coisa, há tanto tempo!

Os poetas, então! Estes encarnam sempre algum personagem de taberna, onde sequer houve taberna um dia. Emulam o ambiente esfumaçado, o lirismo dos bafos de taberna. Mas não saem da frente do computador, comendo besteira. E estão sempre inventando uma dor onde não há. Uma dor que é tão fina, aguda, lustrada, que é só uma dor estética. Brilhante!

Tudo é sofrimento! A poesia é um lugar para distribuir pontapés contra a espinheza do mundo, que, no mundo, é apenas o mundo das letras! A literatura é encarada como uma prisão! Por isso é urgente inventar novas fórmulas literárias libertárias, dar nomes novos e esdrúxulos aos estilos que inventam e cuspir na cara de obras e autores, insultados como páreas.

Em pouco tempo já inventaram mais regras para si e para o mundo que todos os conservadores que dizem combater. Com menos de 25 anos, já estão velhos, cansados, lamuriando a vida! Até já pousam como se fossem a mais importante personalidade do mundo das letras. Portam chapéus e fumam cachimbos. Alguns até emulam uma bengala e uma pequena tortura num dos cantos da boca.

Logo eles, que se insinuam tão jovens, é a velhice que eles parecem desejar e a simulam nos quatro cantos de seus quadrados!

domingo, 26 de dezembro de 2010



ACIDENTADO

sinal dos tempos: tempos sem tempo

sinal pra comprar a prazo
firmar o dito até que seja feito
Cruz-credo: sinal para fechar o peito.

sinal de que todos vamos indo
indo, vindo, rindo ou não, até mais
perambulando entre os sinais

por sinal quero dizer que li errado
o seu sinal fechado, e avancei...

RESSACA 2

Durmo, enquanto os pelos crescem
Rugas, fome e gastrite me despertam
Enquanto eu peço algum tempo ainda
Pois para mim esta manhã não é bem-vinda!

Sou da noite. Note-se!
Entro nela como num grande lago
Onde tão logo se esbanjam bafos e tragos
Estrago-me entre a fumaça e os odores
Entre encantos, desencantos e quase-amores.

E até esqueço que mais cedo ou que mais tarde
A noite que de início arde, ainda criança
Logo mais balança velha e enrugada e, enfim, finda
E eu desconheço aquelas faces, há pouco lindas.

Mas eu, afoite, me apeguei à noite
E nela espero sempre a eternidade
Entre goles, entrego os meus segredos,
Como se, trôpego, precipitasse a confissão
Descuidado da paixão que nunca míngua.

Confesso que transito entre dois pontos
Zonzo e tonto entre a escassez e o excesso
E agora, nesta cama, dos pés à cabeceira
Nem rastro daquela chama
Que queimei a noite inteira.

Ressaca e fadiga contornam a agonia
O tic-tac, a batida do pedreiro, o assovio...
Por detrás daqueles tetos desce o rio
Por detrás daquele morro sobe o sol

E é um pouco menos luz que eu suplico
É contra a claridade que eu me agito
É contra todos os barulhos que eu grito.

Manhã que, se não fosse o mal-estar, eu saudaria!
Mas fico teso, a mão no saco, retardando o dia.

ANTES DE DORMIR


A tocha da TV apaga-se, após os minutos programados. Resta a cabeça acesa, chiando entre os zumbidos da ausência da TV. E o escuro fez-se claro, claríssimo escuro! Uma tela inteira, tingindo todos os lugares, colando os olhos ao olhado. As primeiras imagens, manchas, nódoas, como aquelas que as goteiras deixam nas paredes. Como uma espécie de mofo! Depois as formas geométricas, esfera brilhante, dança de círculos, caleidoscópio, descanso do tornado. Fico esperando a vez do spray do sono, mas ele se demora em suas composições de formas, até o ponto em que os olhos inventam sua própria escuridão. Ou não!

sábado, 25 de dezembro de 2010

Ainda Menos


Veio. Não para mim, que não mereço – embora queira!
Mas veio. Sentou aí na sala e abriu um portal. Antes eu achava que era só uma janela. Profunda! Alta! E eu, com medo de altura! E eu, cansado! Perdendo! temendo escorregar por ela, goela abaixo!

Descobri que entrego os pontos. Partida de dominó, mão sei jogar. Desaprendi! Não sei contar as pedras. Às vezes ganho, mas não explico! Nem seguro! Não dou permanência! Vou dormir com meu fracasso!

A menina dos olhos, caídos! E a menina acesa! Corada! A ideia andando em grande velocidade. Um poema na tela. E tê-la? Cadê? Tenho a impressão de que roço a folha do metal, a lâmina, encosto ali e sinto o gelo! Gelo! Aliás, gélo, de gelar, o verbo, não o substantivo! Gelar, paradoxa ação, cujo paradoxo insiste em não ficar no feminino!

Todas as mãos, os gestos, eu acompanharia, sem grilos! Colocaria meu afeto onde desse pra sentir de leve! A não ser que tivesse lido, visto e fumado Clarice Lispector. Raxixe puro! E nisso, a noite, essa passagem, sempre deixa sempre essa sensação de que poderíamos ir mais longe! Ou mais perto! Ali, do lado!

Às vezes eu envelheço rápido, nisso! Resta ainda, lá no fundo, um punhado de menino, querendo se pendurar em galho! Querendo um atalho pra sair do chão! Mas, então a noite finda, e eu me vingo indo embora! Entro depressa e fecho a minha bolha!

Hoje, vislumbrei uma enorme rachadura, no canto superior esquerdo da minha ilusão! Tem dias que eu acho que sim. Há dias que acho que não! Hoje, logrei saber ainda menos! Tem nada não!

Vou me olhar mais uma vez neste espelho angular, oblíquo, pra ver se me arrisco do lado de fora! Porei o pé, como se põe o pé na água, em pleno sertão! Assim, devagarinho. Até que tudo se precipite de uma vez!

Aí a gente encara a vida, e pensa: venha!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Empréstimo a Mário Quintana

DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!

DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

MARIO QUINTANA

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Anti-Mensagem de Natal


Todos os anos, quando chega neste ponto em que se misturam a compaixão religiosa, a transição para um ano novo e todos os ímpetos comerciais agregados a isto, eu me torno uma pessoa estranha. Não tolero mais esse Papai Noel de plástico e papel. Desacredito dessas mensagens laureadas de sinos, estrelas, lambuzadas de virtual pó-mágico dourado e animadas com essas musiquinhas entediantes. Desconfio até dessas mensagens bem intencionadas dos amigos. Em geral me resguardo, não vou às compras, não dou presentes – a não ser a pessoas bem especiais. Não quero ser Papai Noel, nem de plástico, nem papel.

Mas, afinal, os fins de ano são essas oportunidades, muitas vezes melancólicas, de estabelecermos um contrato com nós mesmos. A vida não é negócio! Mas, às vezes, os negócios gerenciam a nossa vida. E nos vampirizam! Chegamos ao fim do ano com a sensação de que vivemos menos e negociamos mais. Será isso mesmo o que chamamos de produção da vida? Se for isto, é preciso pensar melhor em como otimizar a nossa relação com os fluxos econômicos, como direito de vida.
Porque, vivendo, cada vez aumenta mais em mim essa necessidade de um intervalo maior, a cada dia, para mirar o mundo, suas belezas e suas estranhezas. Buscar a beleza que há na beira do rio (1), no pôr-do-sol (2). Será pela beleza que miramos aos céus nossas antenas (3) e as torres da Igreja (4)? E por que não miramos mais o horizonte, a cidade, tanto mais caótica quanto mais florida poderia ser (5, 6, 7, 8, 9)? Como poderiam ser elas mais belas, todos os dias do ano, nos oferecendo em cores um chão mais macio (10)!

Desvio o meu olhar para outras singelezas! Vou pegar o meu barquinho (11), esse portal de tantas possibilidades, e navegar. E espero que no ano próximo, haja mais que 2011 razões para servos felizes nele.

Abraços a tod@s!

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

VOZES

O que eu faço com estas vozes todas
Fazendo reboliço dentro de mim?
E as cores da bicicleta enfeitada que eu tinha?
– fitas coloridas, continhas nos raios e espelhos...

Espelhos!!!
O que eu faço com eles que nascem invertidos dentro de mim?
O que eu faço com isso atravessando a minha insônia?
E aquela montanha plantada bem ali na frente,
Como um teiú mordendo sua batata?
E aquela lenda do carneiro de ouro no lombo da montanha?
E a passagem para o fim do mundo?
E aquela da onça que eu vi sem medo e ela nem ligou pra mim?
– As pessoas não acreditavam e nem eu desmentia.

E agora, o que eu faço com isso, se crescem como pêlo?
Se quanto mais me dou ao desespero da razão
cresce mais em mim a imagem do terreiro
e o som daquela assombração na minha insônia
arrastando pela noite o ramo de São João
ou o berro do meu pai estremecendo lá embaixo, no baixio:
– “Vem pra casa moleque”.

O que faço com isso, se cada vez mais distante estou?
E quanto mais distante, mais me chamam vozes assim
Ecoando no baixio das minhas noites...
– “Vem pra casa moleque”.
– “... pra casa moleque”.
– “... casa moleque”.
– “... moleque”.
– “...leque”.
– “...que”.

FORA D'ÁGUA

Não sei porque quero começar a dizer isso
Nem pensei se querem ouvir-me
Sei apenas que me vem, de vez em quando,
Uma vontade de retorno...
De voltar a correr pela caatinga em tempo de chuva
De correr descalço pelas grotas,
Pelos córregos e riachos
De olhar aquelas ervas frágeis
Rompendo o casco endurecido do chão
Sem mesmo querer entender aquilo que ocorre ali
Sem mesmo pensar se não é a terra que se abre
Para que aquelas ervas frágeis amanheçam...

E essa lua que me mira?
Essa lamparina insistente contra mim. Que não pisca.
Às vezes tenho medo que ela me enfeitice: fecho a porta.
Tenho medo de já ser tão outro
Que já não caiba naquela vereda estreita
Que já não reconheça a correnteza
E nem me apeteça mais o cheiro de terra molhada...

Se me pergunto quem sou e aonde vou
Não o faço a vocês que não me têm respostas
Apenas sufoco o meu uivado,
O meu ganido em noite de lua cheia
Quando então apenas me recolho: fecho a porta!
E durmo sem saber em que rede fui pescado.

NA REDE

NA REDE


Curiosas estas imagens, a nos dizerem que já não basta que arrolemos a vida no campo como uma espécie de paraíso perdido, onde se reserva intacto algum pedaço de nossa humanidade perdida, corrompida, à espera de preservação e recuperação. Ao contrário, não apenas este paraíso nunca existiu, como agora mesmo todas as forças horizontais, centrípetas, da vizinhança, do parentesco, lentas e de longa duração, já estão sendo arrastadas pelas forças centrífugas, verticais, velozes, globais, capitaneadas pelo valor monetário e pela tecnologia. Estas novas imagens indicam que novas conjunturas humanas se formam, à espera de nossa tradução.