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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O RECADO DAS URNAS

JOSEMAR MARTINS (PINZOH)
Professor e filiado ao PT
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Nossa democracia ainda é uma criança. No dia 5 de outubro de 2008 ela fez apenas 2o anos e quase ninguém lembrou, acendeu-lhe uma vela e cantou-lhe parabéns! É ela da idade de muitos jovens que, em 2008, ainda estão votando pela primeira vez. Talvez estes meninos, que acham que estão na “crista na onda”, que acham que sabem tudo, mas sabem cada vez menos, não compreendem o simbolismo desta data. E sequer os políticos fazem qualquer esforço para lembrá-los. Tudo virou espetáculo! Mas, ao invés de ficarmos lamentando, nem tudo está perdido – e é com os jovens também que nossa esperança se renova; por isso é importante considerar que estamos aos poucos aprendendo a fazer democracia.
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Os mais conservadores, que têm saudade dos tempos de chumbo e do despotismo com que o coronelato exercia seu poder nos sertões, acham que se o mundo está muito confuso hoje é por culpa da democracia. Estes dizem isto porque não sabem o que é democracia, não lutaram por ela e não estão interessados nela. E, de modo geral, a maioria confunde a espetaculaização de tudo com democracia, confunde baderna com democracia e – o que é sempre pior – confunde liberalismo com democracia. Mas a democracia não é nada disto. Na democracia existem regras e, infelizmente, quanto pior sem elas. O sonho de uma sociedade desprovida de regras e coibições parece um tanto pesadelo, quanto mais temos dificuldades em lidar com nossa liberdade, quanto mais retardarem a diminuição das distâncias entre ricos e pobres, quanto mais continuarmos a ser “o lobo do homem”. Mas vamos aprendendo e, quiçá, um dia, quando tivermos aprendido mais, podemos até afrouxar o aparato disciplinador.
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As regras das eleições têm evoluído para permitirem minimamente as condições de participação democrática. Aprendi a política, antes da Constituição de 1988, no sertão, com alguns filhotes da Ditadura Militar (ou representante dos filhotes) governando com mãos de aço. Aos prefeitos não se exigia lisura em nada – e nem instrumentos para tal havia. Quem era a favor tava bem; quem fosse contra tinha que amargar muitas humilhações e perseguições, quando não tinham que pagar, alguns, com a própria vida. E quem foi punido por isto? Quem foi punido pelas tantas corrupções cometidas? Mas alguns velhacos ainda teimam e querer firmar que só há corrupção gora. Fui menino e jovem num tempo em que voto era comprado com saco de cimento, cestas desviadas da merenda escolar, caçamba de areia, tijolo, dentadura, ligadura de trompas e até com vaga em escola. Conheci o tempo do voto de cabresto. E quem é que os praticava? Muitos desses ainda estão por aí, ainda em atividade.
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Na minha cidade tinha uma ambulância que os prefeitos que se revezavam (e eram apenas dois) tratavam como se fosse ela uma propriedade dos mesmos. E como não havia atendimento médico decente na cidade (e todos os exames que fazíamos no posto de saúde davam sempre “normais”), qualquer probleminha mais sério era preciso “tirar” pra Juazeiro, na ambulância “do prefeito”. Com isso – políticas públicas revertidas em gestos de caridade; direito público convertido em “favor” de político – muita gente ficava devendo várias vidas a estes políticos, e a eles tornavam-se cativos, pagando em voto através de várias gerações.
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Mudamos, aos poucos, mas mudamos bastante! Talvez nem percebamos, mas mudamos! Ora, mas quem é que fez isto mudar? Foram os velhos políticos? Foi ACM ou os cativos dele? Não! Não foi não! A construção da democracia foi (e ainda é) dura. Mas o ponto em que estamos é fruto da ação de muitos que sequer foram eleitos alguma vez – enquanto alguns estavam refestelados no poder. Foi assim que a velha elite foi aos poucos saindo de cena, ou saindo dos seus lugares habituais para permanecerem em cena, como ocorre hoje com muitos do PFL, que transmudou para DEM, mas não escapou ao naufrágio. Por isso, muitos deles, ao verem a velha casa desmoronar, pularam fora. É curioso ver os velhos déspotas dos sertões da Bahia, por exemplo, indo parar no PMDB, partido do velho Ulisses, uma das figuras mais simbólicas da luta pela democratização do país e da promulgação da nova constituição. PMDB que tem virado a morada de muitos déspotas vindos do PFL.
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Da mesma forma é curioso que muitos partidos que deram grandes contribuições para a construção da democracia – como o PT, o PC do B e outros – de vez em quando, acabem sendo vampirizados por personagens que os colonizam em benefício próprio, oportunistas que querem repetir as velhas estratégias do despotismo. Certas coligações, por exemplo, sequer poderiam ser cogitadas há algum tempo. Mas há coisas que estão mudando! Mesmo que as fronteiras entre os déspotas e os democratas (imagine o absurdo do PFL ter virado “democrata”) já tenham sido borradas, há recados que a população manda. Só não entende quem não quer.
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Para mim as eleições de Curaçá e Juazeiro trazem estes recados. Em Curaçá um velho político (não de idade, mas de espírito) achou que poderia governar da mesma forma com que governou a cidade durante muito tempo, lá nos anos idos de 70 e 80. Mas parece que, mesmo ele utilizando a máquina da Prefeitura, amarando compromissos por “favor” de emprego e outros, a população disse, não! Os jovens, que não o conheciam, e os velhos que dele estavam com saudade depois de doze anos, não parecem ter gostado tanto assim da escolha que fizeram na eleição passada! Mas também parece que não há mais um compromisso de fé da parte dos que votam, em relação a quem ganha: “depois de quatro anos, se não estiver bom, a gente tira”. Este parece ser o recado e tomara que ele seja ouvido também por quem se elegeu!
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O recado em Juazeiro tem outro sentido: muitas pessoas comemoraram, no dia 5 de outubro de 2008, não tanto a eleição de Isaac (mas muitíssimos comemoraram isso também, claro), mas a derrota de Misael e Joseph. Misael, mesmo com a máquina na mão – e tudo indicava que ele a estava utilizando muito bem a seu favor (afinal, o que é isso de deixar para fazer as obras de quatro anos no último mês de campanha?) –, mesmo se valendo da participação dos funcionários e prestadores de serviço que deveriam conseguir “pelo menos dez votos” e mesmo se valendo de argumentos escusos como “não acredita em Deus” (que coisa ultrapassada!), deve agora tentar entender o que o eleitorado tentou lhe passar.
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Joseph, finalmente, foi impedido de constituir para si uma monarquia. Tentou de tudo para fazer ver que ele ainda é um mito forte e bom. Mas não é mais! É um mito murcho! Não adiantou se valer do guarda-chuva de Lula e Wagner e da marca 13 – coisa que ele, ordinariamente, institucionalmente, nem dá tanto valor assim. As urnas disseram a ele: “se ligue!”. Os fanfarrões, do partido ou não, que o seguem como cordeiros, talvez estejam, também eles, a ouvirem retumbar o eco do recado! Definitivamente não é esse tipo de postura política que queremos e que esperamos dos políticos. E nem é esta Juazeiro envelecida, suja, encardida e fedorenta (já pensou se isto vira orgulho da municipalidade!) que queremos.
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Talvez por isso a população esteja abandonando os “políticos profissionais” (aqueles que desaprenderam de trabalhar para viverem 100% de suas vidas na politicagem mais fajuta). Talvez a população tenha apostado em políticos menos “profissionais”. É caso de Júlio, em Petrolina, contra o “profissionalismo político” de Gonzaga? Talvez! É o caso de Isaac, em Juazeiro? Talvez!
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A renovação da câmara é outro aspecto. Estamos querendo renovar. Estamos cansados dos mesmos velhos lobos. Que só se interessam por gerir o patrimonialismo! Em Petrolina eu não sei, mas tenho certeza que, em Juazeiro, o voto em Isaac foi um voto de protesto. Então Isaac, também ele, cabe ouvir o recado das urnas, pois não estamos dispostos a perder mais quatro anos.
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O fato é que fiquei entusiasmado com os resultados das urnas. E tanto fiquei que me deu até vontade de mandar fazer um bolinho, acender umas 20 velinhas e cantar parabéns para a democracia no dia em que ela fez 20 anos. Talvez com ela o povo esteja deixando de ser besta.
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