Pesquisar este blog

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Amigos/as,

Compartilho aqui uma entrevista que dei ao jornalista Elenilson Nascimento, para o blog Literatura Clandestina, em decorrência de minha participação no programa Aprovado, da TV Bahia, em 15/10/2011. Confiram a postagem original em http://literaturaclandestina.blogspot.com/2011/11/entrevista-com-o-professor-josemar.html.

LEIAM, TIREM SUAS PRÓPRIAS CONCLUSÕES E COMENTEM.


ENTREVISTA COM O PROFESSOR JOSEMAR PINZOH

Eu não concordo com o que você diz de Paulo Freire, e suponho, com grandes chances de estar certo, que você nunca o leu. E se o leu, não entendeu!” (J.P.)


Por Elenilson Nascimento


No próximo ano, ano eleitoral – mais promessas… Cada dia vai ser mais um importante desafio para àqueles que querem um cargo político. Muitos até já estão planejando e passando pelas cifras matemáticas o número de beijos e apertos de mãos que serão necessários para se elegerem. Outros investem gordurosamente em seu saldo bancário, pois ainda encontram pessoas que preferem uma cesta básica ao invés de quatro anos de governo de honestidade. O fato é que, promessas não faltaram e, a educação será um dos grandes chavões que se utilizarão durante esse período.


Essa entrevista aqui no LC é bastante curiosa, deveria abortar justamente isso e eu estava muito ansioso para postá-la, mas o entrevistado preferiu dizer em seu discurso que eu sou um “mal informado”, além de não querer debater. Uma pena, pois, apesar de “mal informado” ainda acho que a decadência da moralidade está estampada nas fraudes políticas, nas leis que defendem o individualismo, nas pessoas que não se preocupam (*nem em debater), nas propagandas mentirosas que estimulam a sexualidade e ainda nessa sociedade alienada que se deixa influenciar.


Fiquei muito impressionado na figura do professor Josemar da Silva Martins, ou melhor, noPinzoh, em sua entrevista no programa “Aprovado” (Rede Bahia), pois normalmente a educação nunca aparece nos debates das TVs como prioridade. Com uma história de vida impressionante, ele poderia ter sido umas das melhores entrevistas aqui no blog. Nascido no ano de 1967, num sítio chamado São João, interior do povoado rural de São Bento, município de Curaçá – BA, um dia, ainda no colégio, errou por um pequeno detalhe, numa prova de História, o nome no navegador Vicente Yañez Pinzón e ganhou um Pinzoh como apelido. Já adulto, assim que ingressou na faculdade, participou de vários movimentos culturais, foi presidente do DA e fez teatro de rua na UNEB. Engajou-se nas lutas sociais, pois, segundo fontes, diz que tinha esperanças de ver um mundo melhor. Em 1986, participou da publicação do livro “Cometendo poesias” (Scortecci), em parceria com José Carlos Rego.


Ainda durante o período universitário, ele precisou estudar à noite e trabalhar durante o dia (*como se a maioria dos estudantes não passasse por isso), mas, para Pinzoh, o trabalho era um universo cruel. Preferiu sair do emprego e fazer serigrafia, vendendo, na Orla de Juazeiro, camisetas com poesias suas e de outros autores. Ao concluir o curso, prestou concurso em março de 1994 para professor efetivo da UNEB, e, naquele mesmo ano, ministraria aula para amigos da turma e portadores de diploma. Logo em seguida, fez especialização em Gestão de Temas Educacionais, pela PUC-MG.


Hoje, Pinzoh mora na cidade de Juazeiro - BA, é doutor em Educação e professor ajunto da UNEB e autor de O mesmo outro” (também pela Scortecci). Contudo, mesmo com toda a bagagem que o professor-doutor da UNEB demonstra possuir, algumas respostas nessa entrevista foram de uma agressividade sem precedentes. Talvez alguns se impressionem com títulos acadêmicos, talvez a convivência com os seus colegas de UNEB tenha feito o senhor doutor esquecer que professores precisam de questionamentos para questionarem. Mas como ele mesmo escreveu o seu blog: Há gente dentro da caixa, professores, alunos, outros funcionários, e nenhum deles pode ver o céu de dentro da caixa, nem podem ver o rio que desce em seu silêncio aos fundos da caixa. Há sonhos dentro da caixa, uns até são bem novinhos, inocentes, mas todos são infestados desses valores do status, das viagens para a Disney, das festas de aniversários, das poses dos novos ricos, todos tão mal-educados”. Pena que ele parece não mais interpretar as coisas que ele mesmo já escreveu.

Logo no início da entrevista, questionei sobre a eterna situação da educação públicabrasileira e sobre o incompetente ministro da Educação. E sua resposta foi uma das mais típicas de quem não quer discutir nada: “Eu prefiro não entrar no mérito da competência ou não do Haddad”. Em uma outra pergunta, eu falo sobre os péssimos cursos de formação de professores, principalmente na UNEB, pois fiz uma pós-de-lugar-nenhum nessa faculdade e mais do que ninguém sei muito bem como os professores trabalham no esquema “vamos fazer seminários”, e como

resposta o professor Pinzoh diz: “Dizer que não formam para nada, não é só um exagero seu, com é também um desconhecimento”.

Não consigo entender como alguns professores com um discurso, pelo menos na teoria, tão politizado e coerente, defendem essa cultura do "oba-oba" de professores estrelas e suas canetas brilhantes. Mas diante dessa cultura do futebol, carnaval, a educação pouco pesa. A ignorância tomou conta de nosso povo. O povo, diante dos enfoques oferecidos pela mídia de forma cotidiana destemperou a noção de educação enfocando somente para a escola, enquanto a mesma é distribuída em todas as instituições sociais, como a família, a Igreja, o Estado. E o Estado pouco faz, além das propagandas enganosas.


Apesar de ter vislumbrado uma vaga oportunidade sadia de debater com um suposto professor-doutor as impossibilidades dessa educação de quinta, pois encontramos nossas escolas degradadas, professores maltrapilhos e, o pior de tudo, um esfacelamento dainvontade política presente de forma mascarada pelos baixos salários, falta de incentivo à formação continuada, insanas condições de trabalho e inadequação dos planos de trabalho e conteúdos escolares sem significado e significância para a vida escolar. Mas o Pinzoh acha que sou um “desinformado”, além de “fazer perguntas que dificultaram as suas respostas”, pois “em alguns momentos eu me contradigo”. “Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo. Sou amplo, contenho multidões”, já disse o espetacular Walt Whitman.


O que deveria ter sido uma “aula de informação” foi uma das experiências mais infrutíferas, apesar de achar que o professor Pinzoh estava de má vontade. E nesse sentido, é preciso entender que, em nome da “incompetência política” gerou-se a ignorância popular. Somos culpados pelos distúrbios políticos que deixaremos aos nossos filhos. Somos culpados de não debatermos nas salas, nos banheiros, nas TVs e nos butecos. Somos os culpados pela decadência da moral e da ética que ainda existem e quer ser mais forte que o espírito de competência, solidariedade e dignidade de uma cultura que esqueceu que tem nome.

Nossos filhos, alunos, crianças, não merecem serem o excesso de um sistema política fadado ao insucesso. Mas, a incompetência do Estado – que o estimado professor Pinzoh não quer debater – continua a teimar de forma inusitada de que, é melhor o sistema funcionar do que praticar alguma forma de mudança. Assim, são eleitas e desenvolvidas as famosas “medidas paliativas” que não mudam em nada a vida do professor, do aluno e consequentemente uma nova visão política. Quem educa uma criança hoje, não precisa punir um adulto amanhã! Mas os Complexos Penitenciários estão cheios de pretos e pobres ignorantes. E o mundo da UNEB não quer debater o assunto!


Olhando a trajetória do professor Pinzoh, é possível perceber que não é só necessário possuir as “condições ideais” para transformar o próprio destino. Mas depois de transformado, querer transformar de tantos outros. Mas esqueci, sou mais um “ignorante desinformado”, não faço parte do mundo florido da UNEB e ainda acho que educação é uma utopia!

Elenilson – A escola pública brasileira há muitos anos passa por problemas sérios e bastante discutidos. Mas, entra governo e saí governo e tudo continua a mesma coisa. Agora que o Ministério da Educação, com o incompetentíssimo Fernando Haddad (*que nem organizar uma prova sabe), propôs um “novo formato” para o ensino médio e “algumas pesquisas” sobre o comportamento dos alunos e o perfil das escolas. Você acha que só isso resolve?


Josemar Pinzoh – Desculpe decepcionar, mas, eu prefiro não entrar no mérito da competência ou não do Haddad. A mim parece que jogar com as coisas simplesmente assim, é desconsiderar a complexidade que constitui isso, inclusive do ENEM. Aliás, curiosamente, no episódio recente, nós culpamos o MEC, o INEP, o governo, Haddad, mas esquecemos que o que aquela escola do Ceará fez foi corrupção, é mau-caratismo, que merece punição. Mas deixamos quietos, principalmente por se tratar de uma escola privada. Isso parece que expressa um certo perfil de conduta nossa, cuja mão armada da pedra, só mira o setor público, o governo. Nós não pensamos duas vezes quanto a isso, mas somos imensamente complacente com a corrupção advinda dos setores privados, dos empresários e corruptores. Quanto à sua pergunta, acho que há muita coisa misturada nela. Sobre se aquilo que você chama de "'algumas pesquisas” sobre comportamento dos alunos e perfil das escolas resolverem o problema da educação brasileira, eu acho que não. Não acho que o problema da educação do nosso país ou sua solução se resolva com sondagens. Mas tampouco resolveremos tal problema sem essas avaliações. Não sei por que nós temos tanto pavor a essas avaliações. Avaliações são necessárias em todos os setores, inclusive nos setores privados, que não vivem sem elas, pois na educação pública também. Mas os problemas da educação brasileira estão para além disso.


Elenilson – Como você define o perfil da escola pública (e particular) no Brasil?


Josemar Pinzoh – Não sei por que você colocou a escola particular entre parênteses. A educação que ocorre também na escola particular é igualmente de interesse público. Ocorre que a escola particular lida com um critério de serviço, organiza um serviço e o vende. Organizam-se em redes de filiação e de dependência econômica para atuar numa coisa chamada mercado. Estabelece critérios de valor que são essencialmente econômicos, visam unicamente as "taxas de retorno" que são os índices de aprovação no vestibular, por exemplo. É em razão disso que uma escola particular frauda o ENEM, para depois colocar no outdoor os índices de aprovação. O interesse é meramente isso, e em geral esse interesse é escuso, ridículo. No caso da escola pública, ela é destinada a todos os desvalidos do mundo. Não cuida apenas desses "critérios de audiência", lida com direitos, não pode evitar que nela estejam justamente todas as pessoas que portam todas as carências, inclusive a financeira, a afetiva etc. Se estamos falando de perfis, é preciso levar em conta isso. São perfis diferentes. Infelizmente a escola pública foi abandonada por todos nós, que preferimos lhe "descer a ripa". Quando aparece alguém para ajudar é a ação não se difere da "ação social". As empresas querem a escola pública para fazer lá um projetinho, para levar sua marquinha pra lá, ou então para recrutar lá uns voluntários cuja coordenação nacional não é voluntária, ganha bem e tem escritório em cobertura na Avenida Paulista. No entanto, a escola pública, todos os dias, coloca milhões de pessoas em suas salas, dá-lhes merenda, livros didáticos, transporte escolar e, em alguns casos, até fardamento. Tem muitos problemas a escola pública brasileira, mas já foi pior.


Elenilson – Você comentou no “Aprovado” sobre o “abismo dentro das salas de aula”. Você acha mesmo que a culpa disso tudo é somente dos professores que não têm tempo nem dinheiro para se reciclarem ou são pelo aumento da indisciplina e falta de perspectivas?


Josemar Pinzoh – NÃO! Pelo contrário, eu disse no “Aprovado” que todo mundo culpa o professor, mas a gente não vê que todos os problemas sociais são encaminhados para a escola que torna-se uma "instituição atarefada", uma espécie de "clínica do social", e nessa clínica, o único profissional que é responsabilizado pelas demandas todas é o professor. É isso que tem produzido o que estou chamando de "mal-estar docente". Os professores são, de fato, atarefados, trabalham muito, em dois ou três lugares. Temos que assumir essa precarização do trabalho docente. Por outro lado, sim, a violência, a hostilidade e mesmo o "bulllyng" com professores é um problema cada vez maior. Acho que temos que pensar, junto com o Estatuto da Criança e do Adolescente, um estatuto para a escola e para a profissão docente, que os projeta disso.


Elenilson – Penso que precisamos avaliar essa questão da indisciplina não como algo oriundo só da escola. A sociedade e o mundo estão muito violentos, hoje, mas a falta de perspectiva para nossa juventude é uma realidade e isso termina refletindo dentro da escola pública. Para você, qual o fator predominante da indisciplina? Só da família que transfere para a escola as suas obrigações?


Josemar Pinzoh – A violência NÃO é oriunda da escola: a escola é só a caixa de ressonância dessa violência. O fator predominante? Uma enorme demissão do compromisso educativo de um número grande de instituições sociais: a família, a justiça, a mídia, a sociedade como um todo. Os que não se demitiram do compromisso educativo, fazem vistas grossas. Hoje impera na sociedade uma enorme "deseducação". Veja o conteúdo que as mídias oferecem aos jovens e crianças. Você acha que com esses conteúdos se pode ter uma infância e uma juventude melhores? E quem é que tem que cuidar da educação? A escola! Unicamente ela. Não é este um paradoxo?


Elenilson – O principal interesse dos donos de colégios é “entreter” os alunos, fazendo com que o professor seja uma espécie de “mico de circo”, onde o clientelismo é o que prevalece. Nos colégios públicos não interessa se o aluno não aprendeu, ele vai ter que ser aprovado porque é apenas uma estatística. Comenta.


Josemar Pinzoh – Sim. Acho que tem esse “circo”. Acho também que isso não é fruto apenas de um gesto político equivocado dos governos. Acho que nossas retóricas acadêmicas, as teorias que daí descambam, ajudam a piorar este quadro. De um modo geral a escola deixou de ser um lugar óbvio, mas a educação também deixou de ser. Não sabemos mais o que é isso! Sequer temos clareza de para que é que deve servir uma escola.


Elenilson – Turmas enormes também são motivos que levam muitos professores a adoecerem. Há um descompasso gritante entre a realidade da escola e o mundo fora dela. O aluno tem dentro da escola várias limitações quanto que, lá fora, muitas vezes, ele tem acesso às coisas como o computador e às novas tecnologias. Como os professores podem acompanhar e se adequar a essas mudanças?


Josemar Pinzoh – Não acho que tem nada a ver com tecnologias. Elas não vão nos salvar. Uma escola não deve ser igual à rua, senão perde seu sentido de especificidade. Também não pode ser igual a uma rede social online ou offline. Temos que ter clareza disso, senão é melhor extinguir as escolas e deixar que a rua, que a internet eduque. E a gente manda os professores descansarem. Pelo que vejo a internet não está nos ajudando a sermos melhores. Vejo muita gente que não sai da esfera virtual e não passa de um idiota. Apenas repete o que explode como fogo de artifício no Facebook, no Twitter, etc. O que vejo não passa, de modo geral, de "efeito manada". Essas tecnologias devem fazer parte das narrativas curriculares e os professores precisam se atualizar em relação a elas. Mas acho que a realidade fora das escolas não é melhor que dentro dela. Se fosse, não estávamos cobrando tanto que a escola conserte o que está torto no espectro social. se os alunos estivessem melhores fora da escola, não os mandávamos a ela. Não é isso?


Elenilson – Você trabalha com formação de professores e eu digo que o câncer da educação está justamente na formação de profissionais da educação. As faculdades não formam ninguém para nada. Para que serve uma pós na área de educação? Só para aumentar 30,00 no salário dos efetivados do Estado?


Josemar Pinzoh – Concordo que há muitos problemas na formação dos professores, principalmente pelo excesso de retórica, de teorias que só inflam esta retórica, mas não ajudam a melhorar o chão da escola. Mas dizer que não formam para nada, não é só um exagero seu, com é também um desconhecimento.

Elenilson – Uma coisa muito interessante com relação aos professores é que eles “adoram” dizer que “amam” Marx, Paulo Freire e por aí vai. Muitas vezes não se deram nem ao trabalho de ler uma única página, mas amam assim mesmo. Como tão bem foi colocado na Veja (*e olha que eu não gosto dessa revista): “...é embaraçoso que o marxismo sobreviva apenas em Cuba, na Coréia do Norte e nas salas de aulas brasileiras”. Repetir “frases de pára-choque de caminhão” aprendidas nas universidades é muito mais fácil do que “estudar de verdade” e “ler de verdade” grandes autores. Por isso, conversar com muitos professores é uma das experiências mais ridículas para mim, pois é numa reunião de coordenação onde se manifesta a ignorância e o pedantismo. Comenta.


Josemar Pinzoh – Acho muito interessante o modo como você faz as perguntas. Acho que minhas respostas estão te decepcionando. Se você se informou que o marxismo existe nas escolas brasileiras através da “Veja”, você está muito mal-informado. O que existe é uma retórica ultrapassada, algumas vezes. E realmente essa retórica nem sempre se nutre de leituras de fato da obra de Marx e de Paulo Freire. Caso houvesse, a coisa seria diferente. Eu acho que conheço mais o chão da sala de aula que qualquer jornalista, bom o ruim, que faça este ou aquele julgamento, pela simples razão de que sou professor. Se não lemos grandes autores, também não lemos nem Marx nem Paulo Freire, que são, ambos, grandes autores.


Elenilson – Onde foi que eu disse que o marxismo existe nas escolas brasileiras através da “Veja”? Então, qual seria o verdadeiro exercício “intelectual” entre esses “intelectuais” de quadro e giz?


Josemar Pinzoh – Para mim falta exatamente o exercício intelectual. Não se trata de curso de final de semana, de jornada pedagógica, estrelada pelos "palestrantes fast-thinkers", de pensamento pronto, que ganham cachê de dez mil reais. Trata-se ter claro que professor tem que ser intelectual, pois é a natureza do seu trabalho, e dar a condições para isso. Mas não damos! Então não podemos cair no erro apontado por Gabriel, O Pensador, na música "Até Quando": "Aquilo que o mundo me pede, não é o que o mundo me dá".


Elenilson – Vivemos tempos tenebrosos e para você qual a importância das ideias de Paulo Freire nos dias de hoje, visto que ele foi um esquerdista disfarçado de professor?


Josemar Pinzoh – Eu não concordo com o que você diz de Paulo Freire, e suponho, com grandes chances de estar certo, que você nunca o leu. E se o leu, não entendeu! Na obra dele há princípios importantíssimos para orientar a prática pedagógica. E há muitos exemplos de trabalhos baseados em sua obra que dão resultados. Um desses exemplos foi aquela Escola Família-Agrícola de Valente, mostrada no mesmo programa “Aprovado” do qual participei. Mas acho que muito uso distorcido da obra de Paulo Freire, assim como há de Emília Ferreiro e de outros. Não podemos culpar Paulo Freire por isso. Continuo achando ele uma referência importantíssima e a ser revisitada.


Elenilson – Quando o coordenador do curso de medicina da UFBA, Antônio Natalino, justificou o baixo rendimento dos alunos no Enade como conseqüência do 'baixo Q.I. dos baianos' poucos enxergaram a ironia e um alerta na sua declaração (pedante talvez, mas inteligente), pois vivemos numa sociedade onde as pessoas são incapazes e ler e escreve, que se perdem em falsos valores, idolatram “mulheres-frutas” e só confiam cegamente em suas calculadoras digitais para calcular 2 + 2 pela incapacidade de formulação de um pensamento lógico. Aí pegam o Natalino e o jogam como o pior inimigo da Bahia. O que você acha dessa hipocrisia do “sou baiano até morrer”?


Josemar Pinzoh – Acho isso tudo uma mediocridade. Eu sou baiano, mas não suporto a nossa autocomplacência.


Elenilson – No ensino superior há um círculo vicioso e arrogante. Os livros, por exemplo, têm tiragens limitadas, são caros e enormes. As bibliotecas são precárias. Por tais razões, esses livros sendo caros, poucos compram. Você acha que essas coisas são as principais causas da mediocridade dos acervos nas universidades e consequentemente no ensino universitário?


Josemar Pinzoh – É. Realmente temos problemas com livros e bibliotecas. Mas não acho que isso é o problema. Aliás, no Brasil, até onde eu sei, só existem bibliotecas públicas. Você conhece alguma boa (ou má) biblioteca privada? Aliás, o ensino universitário ainda é melhor na Universidade Pública. Por isso ela ainda é disputada por egressos da escola básica privada.


Elenilson – Hoje, no Brasil, os empresários da educação acham que conhecimento pode ser vendido em sacos plásticos, ou melhor, em apostilas xerocadas; com “aulas shows” de professores que pulam, gritam, rebolam, fazem acrobacias, menos o que deveriam fazer em salas. E isso tudo é festejado como sendo o coeficiente para o aluno saber marcar um X no fracassado ENEM. Comenta.


Josemar Pinzoh – É existe esse “circo” das escolas privadas e de algumas escolas públicas. Eu tô fora disso! Mas não concordo com o "fracassado ENEM". Quem diz isso, em geral não justifica a adjetivação. Aliás, torço pelo ENEM.


Elenilson – No Brasil, os livros se transformaram em moeda de rápida circulação. As editoras criam novidades a cada mês para alimentar sua própria sobrevivência. Raramente relançam livros essenciais, que parecem não vender. Estaria neste fato a origem do surgimento de escritores como Chico Buarque, Paulo “imortal” Coelho, Dan Brown, Jô Soares (*os livros do cara são péssimos) e por aí vai a lista? Esses “caras” devem permanecer na história como excelentes autores ou como excelentes produtos? Realmente eles são moedas rápidas e seguras?


Josemar Pinzoh – Não tenho esse poder de dizer o que deve ou não permanecer na história. Não sei onde está origem do surgimento desses autores. Existe muita gente escrevendo, uns são bons, uns são razoáveis, outros eu não os compro. Há gosto para tudo, embora gosto seja uma coisa que se deva discutir sim. Mas a resposta exigiria um exercício que não me sinto em condição (nem na obrigação) de fazer agora. Dos autores que você citou, gosto de Chico Buarque e não o misturo com os demais.


Elenilson – Qual a principal ação para melhorar o ensino público?


Josemar Pinzoh – Não há uma principal ação, mas acho que, primeiro teríamos que parar de jogar pedra na escola, nos professores. Teríamos que produzir a dignidade tanto para um quanto para outro. Pra isso teríamos que dedicar 10% do PIB para a educação, para poder dar melhores salários aos professores, para melhorar as condições das escolas, etc. Mas teríamos que organizar melhor nossa visão de educação, teríamos que nos comprometer melhor com a escola pública. Mas, me diga, quem está interessado nisso?

Elenilson – A ausência de perspectiva de ascensão social dos alunos por meio do estudo contribui, de alguma forma, para o que o você chama de “decadência da escola pública” no país?


Josemar Pinzoh – Eu não lembro de ter usado exatamente este termo na minha entrevista. A escola está desatualizada, nossas teorias estão desatualizada, exatamente porque a sociedade mudou e está a exigir novos compromissos da escola, a exigir um novos estatuto para a escola e para a profissão docente.


Elenilson – Que mudanças precisam ser feitas na estrutura da educação básica hoje no país?


Josemar Pinzoh – Acho que já respondi a essa pergunta, e como são muitas, tenho que ser econômico.


Elenilson – O MEC planeja trocar as 12 matérias curriculares do ensino médio por quatro áreas temáticas. Como o senhor vê essa questão?


Josemar Pinzoh – Ainda não conheço a proposta suficientemente para me posicionar sobre ela.


Elenilson – Eu passei 10 anos da minha vida lecionando e a única certeza que eu tenho é que foi perda total de tempo e energia. Me arrependo amargamente de ter, um dia, acreditado nas “baboseiras panfletárias” de que só com educação mudamos o mundo. Uma coisa que ouço muito dos que se dizem preocupados com a educação é que é necessário aumentar os gastos. Aumentar como? Investir em quê ou em quem?


Josemar Pinzoh – Sinto muito por você. Espero que esteja fazendo o que lhe dá prazer e dinheiro. Eu também acho que a educação não vai mudar o mundo. Não dá forma que esperamos, que ela sozinha o faça. Escrevi no meu blog que temos que esperar que outras instituições mudem o mundo. Você tem idéia de quais seriam?


Elenilson – Como o Brasil poderia fazer melhor uso desse dinheiro?


Josemar Pinzoh – Tenho apenas suposições: primeiro, dando mais transparência, evitando a malversação, a corrupção... Mas, no fundo, precisamos de mais dinheiro sim. Faça as contas das demandas reprimidas e avalie por você mesmo.

Elenilson – Você é um dos poucos professores que deu a cara a bater e foi na televisão para dizer que a coisa não é isso que o governo do Estado prega. Não tem medo de ser taxado?


Josemar Pinzoh – Não. Eu não dou mais a cara para bater. Nem um lado, nem o outro lado. Sou cada vez mais pagão. Na minha entrevista não me referi, nem uma só vez, ao Estado, querendo dizer "Governo do Estado da Bahia". Como sou professor de uma Universidade Estadual, a UNEB, sei que as coisas não são como apregoado. Mas são melhores do que já foram. Quando me posiciono sempre há o risco de ser taxado. Vivi a minha vida toda experimentando isso, não seria nada extraordinário. Mas, quando me posiciono, evito o mero partidarismo. Para mim, em termos de Educação, o Governo Wagner não estabeleceu nenhum marco significativo. Se estabeleceu eu não conheço. Mas isso não quer dizer que algum dia já houve esse marco e ele foi de algum modo melhor do que o que está aí.


Elenilson – O Brasil realmente é um laboratório de inovações educacionais – em níveis federal, estadual e municipal. Você é a prova que ainda existem POUCOS profissionais envolvidos com o problema. Mas eu não diria que são todos bem-sucedidos. Porque a classe de professores é uma classe medíocre e que não tem interesse algum de mudar nada?


Josemar Pinzoh – O modo como você faz as perguntas dificulta a minha resposta. Em alguns momentos você se contradiz, exemplo: "O Brasil realmente é um laboratório de inovações educacionais...", em seguida você simplesmente generaliza desfazendo o que disse. A não que seja um recurso de ironia. Não acho que a classe dos professores é medíocre. Há muito mais mediocridade em nossa sociedade, e este é realmente o problema.


Elenilson – Segundo o Banco Central, o alto investimento no ensino superior em detrimento do ciclo fundamental é onde a educação apodrece. Você concorda com essa avaliação? Realmente isso é o único obstáculo para o avanço da educação no Brasil?


Josemar Pinzoh – Tenho muitas discordâncias das diretrizes do Banco Mundial. Nunca foram minha referência. Investir em educação superior, em formação, em pesquisa, etc, é a outra face do investimento na solução do problema da educação básica. Talvez precisemos "emparelhar" o que fazemos na Universidade com a educação básica, com o chão da escola básica. Mas tampouco sem investimento em Educação Superior podemos resolver o problema da escola básica, exatamente pelo fato de que é na Universidade que formamos os professores que nela atuam.


Elenilson – O ensino médio é etapa mais alarmante da educação básica, com alta evasão de estudantes. Como estimular alunos com professores cada vez mais doentes e desestimulados?


Josemar Pinzoh – Talvez resolvendo problema da doença e do desestímulo dos professores. Mas isso não se faz com discurso, dando carão em professor, atacando sua mediocridade, ou aumentando mais ainda a cobrança que pesa sobre ele.


Elenilson – Pesquisas de opinião indicam que o brasileiro sente que o avanço da educação é lento e que os resultados são pouco palpáveis. Que tipo de avanço nos permite ver que a educação de fato tem avançado?


Josemar Pinzoh – Em geral as opiniões expressas nas pesquisas de opinião não passam do senso comum, instrumentalizado pela desinformação que a mídia distribui. Na educação brasileira há avanços e paradoxos. Gozamos hoje do melhor momento histórico em termos de investimento direto, de aumento do acesso, de aumento da formação docente, de aumento do oferecimento de condições... Em contrapartida, temos um dos piores momentos em termos de avaliação da qualidade. Mas esta não é uma equação simples. As pesquisas de opinião não nos ajudam em nada neste caso.


Elenilson – Apesar desse desempenho reconhecido, as escolas privadas ainda avançam mais rapidamente do que as públicas – o próprio Pisa mostra isso. Com é possível superar essa defasagem entre os sistemas privado e público?


Josemar Pinzoh – Acho que já falei da diferença entre a escola pública e a escola privada. Escola privada não cuida da demanda que a escola pública cuida. Não depende de recursos públicos, não oferece livros, merenda, biblioteca, farda, bolsa... e cobra caro pelo serviço! A diferença de qualidade, no entanto, é medíocre. Por outro lado, trabalham quase que exclusivamente com questões vinculadas aos testes, ao vestibular, ao ENEM - e às vezes ainda fraudam os testes para se darem bem. Isso explica o suposto sucesso das escolas privadas.


Elenilson – Uma das diferenças mais importantes no Chile é a forma de uso dos recursos públicos e privados no ensino superior. Cuba é outro exemplo de excelência na educação, apesar da pobreza do país. O que o Brasil tem a aprender com países como esses que avançam mais rapidamente em educação, enquanto ficamos cada fez mais no lixão da ignorância?


Josemar Pinzoh – Eu não desejaria para o Brasil nem o modelo chileno, que é basicamente privado, nem o modelo cubano. Acho que o Brasil tem condições de pensar o seu próprio modelo. Só precisamos melhorar o debate sobre isto, para começar assumindo o debate sobre o aumento dos recursos destinados à educação. Quanto à nossa ignorância, ela não é fruto da ação das escolas. Pelo contrário, são as escolas que estão sendo reclamadas para diminuí-la.


Elenilson – Deixa uma mensagem para os seus colegas professores.


Josemar Pinzoh – Na verdade essa foi a entrevista mais longa que dei, com o maior número de questões, mas também com um estilo de questões que, ao perguntar, já responde – ou pelo menos induz uma resposta. De fato, pelo que conheço, não posso esperar coisa muito diferente! Por isso, a mensagem que gostaria de deixar é que os professores reajam ao enorme insulto que lhes recai, sempre que vamos discutir questões de educação. Que eles entrem no debate e se insurjam! Na verdade, como todos nós vivemos dizendo que os professores são os profissionais mais importantes no mundo inteiro (vide propaganda do "Todos Pela Educação"), eu gostaria mesmo é que eles tomassem o poder, a partir de suas salas de aula. E estabelecessem o respeito que lhes é devido.