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domingo, 25 de março de 2007

CANSEI

Cansei de ir atrás das borboletas
Elas estão sempre muito ocupadas
Em procurar flores exóticas
E perambulam agoniadas pela noite
Como se já estivessem
À beira do desespero

Mas escolhem flores muito comuns
Embora achem que são elas
Flores muito raras

Cansei do comum, das mesmas trilhas,
E, no fim delas, os mesmos resultados.
– “Brigadinho, viu! Te adoro!”
Os mesmos disfarces, as mesmas fugas.

Meu tempo é raro!
Vou cuidar de minhas rugas
Que elas são muito caras
Custam-me os sulcos da cara
Por isso meu riso é ouro!

Não quero mais rir à toa
Achar que estou numa boa
Quando não passo de enfeite
E no prato dessa salada
Não chego nem a azeite.

Vou partir noutros atalhos!
Vou cuidar do meu jardim
Borboletas que gostam de suas flores
Que gostam dos seus aromas
E que não lhes cobram nada
E de dádiva em dádiva,
Enchem-lhe de novas cores

Vou cuidar de outros amores
Dos que os meus dias estão cheios
Cansei de fazer a cama
Pros outros plantarem odores
Cansei de enfeitar a mesa
De custear o sorriso
Das musas dos estrangeiros

Vou cuidar do meu jardim
De quem nele planta algo
Pois há os que só nos ligam
Já pensando em colher logo

Vou atrás de outras belezas
Cansei de pagar a conta
Sem poder virar a mesa
Afinal, eu não sou santo,
Muito menos terapeuta!


(Pinzoh)

SOMOS A MAIORIA

(Herbert Daniel e Liszt Vieira)
/
Somos quem quer a paz. Somos quem abomina a passividade. Somos quem não quer o entulho autoritário nem o entulho utilitário. Somos quem quer nuclear nossas energias, para não mais precisar da energia nuclear. Somos quem sabe que não é verdade absoluta que todo racista é filho da puta, pois nenhum racista merece a dignidade de tal mãe. Somos quem sabe que racismo é a ditadura racial real da democratização da violência que vem desde a senzala. Somos quem acha que machismo não é papel de homem.

Somos quem quer uma política de reprodução humana que não faça de homens e mulheres bichos procriadores. Somos quem quer que o aborto seja um último recurso de quem pode escolher métodos anticoncepcionais, e não permaneça na hipocrisia de hoje, numa ilegalidade protegida por interesses contrários aos das mulheres. Somos quem afirma que a mulher deve escolher quando e como ficar grávida. Somos quem não tolera que qualquer adulto possa maltratar qualquer criança, que nenhum adulto seja dono de qualquer vida infantil. Somos quem não que abandonar a infância, nem prender o menor na minoridade. Somos quem quer poder trabalhar, morar, ir e vir, sem ter que obedecer aos padrões sexuais oficiais. Somos quem quer namorar sem a ameaça do impudor de quem vem no escuro ver. Somos quem não quer piedade, pois defeito quem tem é quem alija o deficiente físico. Somos quem não quer ser preso e torturado em asilos que são fábricas de alucinados. Somos quem não tolera o desrespeito à humanidade do preso. Somos quem quer fumar um sem a ameaça dos traficantes da violência. Somos quem não tolera a impunidade da violência. Somos quem quer um menor contingente armado de homens nas ruas da cidade, queremos menos guerra civil. Somos quem não quer se intoxicar com as drogas pesticidas, agrotóxicos, fumaças de indústrias, poluição. Somos quem não quer ver rios assassinados. Somos quem não quer ver a terra assassinada. Somos quem quer ver uma nova relação na terra, queremos viver a Terra. Somos quem está experimentando na juventude novas possibilidades de rejuvenescer a Terra. Somos quem quer ver velhos limitados ao aposentado papel de particípio passado do mundo produtivo. Somos quem não quer uma escola que prenda, somos quem quer um ensino que aprenda da vida. Somos quem não quer a tecnologia da doença, mas a arte da saúde.

Somos quem acha que qualquer maneira de amor vale a pena. Somos quem pensa que nenhuma maneira de temor vale a pena. Somos quem sabe que analfabeto é quem é espoliado por um sistema que fez da escrita um código da elite. Somos quem não quer cultura popular domesticada nos museus de folclore, nem cultura erudita domesticada nos museus vazios da hierarquização. Somos quem quer que a liberdade de expressão de pensamento seja uma matéria sobre a qual não se legislará. Somos quem quer proibir todo tipo de censura. Somos quem quer rádios livres, televisões livres, ouvintes livres, espectadores libertos do condicionamento do plim-plim. Somos quem não quer demarcar os índios na minoridade civil, mas quer ver demarcadas suas terras, suas rotas, suas setas apontando o arco das suas próprias opções. Somos quem não quer pagar dívidas que foram feitas por decisões externas à nossa vontade. Somos quem não quer pagar prestações imprestáveis a não ser para a fome de beeneagás. Somos quem não quer ser punido com a perda do emprego, nem ser punido por ser desempregado. Somos quem não quer ser punido com um emprego num trabalho intolerável, cuja condição é o massacre à mão que obra. Somos quem quer ampliar a greve como direito, para não ter que suportar o encolhimento do salário e o estiramento de uma jornada de trabalho acima de oito horas. Somos quem quer livremente se associar, somos quem na CUT quer garantir a autonomia sindical. Somos quem não quer ser punido por um lazer aviltado pelos donos do lucro. Somos quem não quer ser exportador da morte feita aço de canhão. Somos quem quer assistir paradas do militarismo e policialismo, paradas definitivas. Somos quem quer menos leis, porém melhores e mais legítimas. Somos quem não quer ser obrigado a escolher sempre entre coisas que não quer. Somos quem quer. Somos contra quem só pode mandar e impedir. Somos quem faz. Somos, todos nós, quem cria. E quem faz não precisa mandar, nem pedir. Faz. Somos a maioria.

(Extraído de
em 02/02/2006)

Ética e Comunicação

Josemar da Silva Martins
(Professor no DCH III/UNEB. Mestre em Educação pela UQAC; Doutor em Educação pela FACED/UFBA)
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Nestas linhas que se seguem reúno as anotações que fiz para a palestra feita em 07 de abril de 2006, no bar "O Escritório", em Juazeiro, a convite do Sindicato dos Jornalistas de Juazeiro e dos “Filhos da Pauta”. Além das anotações feitas anteriormente à palestra, adicionei aqui alguns outros elementos, pois, embora não tenha havido um debate logo após a palestra, pudemos fazer algumas discussões nas mesas de alguns amigos por onde passei e parei. Neste caso, devo agradecer a Toinho, pelo convite para a palestra, e a Carlos Laerte, Paulo César e Rafael Leal, pelos comentários que me fizeram logo em seguida, e que animou as “discussões de mesa” que fizemos.

1. A PARTE ANOTADA PARA, E MENCIONADA NA PALESTRA

1.1. Sobre a Ética?

Ética vem do latim "ethica" e do grego "ethiké". É um ramo da filosofia, e um sub-ramo da axiologia, que estuda a natureza do que consideramos adequado e moralmente correto. Axiología vem do grego άξιος (axios), valor, dignidade + λόγος (logos), estudo, tratado. É uma teoria do valor; um ramo da Filosofia que tem por objeto o estudo da natureza dos valores e dos juízos valorativos, especialmente, os morais. Considera-se a Ética e a Estética como partes constituintes da Axiologia.

A historia da Ética teve sua origem pelo menos sob o ponto de vista formal, na antiguidade grega, especialmente em Atenas, através das idéias de Sócrates, Platão e Aristóteles, cujas especulações incluíam a ética e as virtudes éticas. Segundo Sócrates, por exemplo, ninguém pratica voluntariamente o mal. Só age mal, quem desconhece o bem, pois todo o homem quando fica sabendo o que é bem, reconhece-o racionalmente como tal e necessariamente passa a praticá-lo. A virtude seria o conhecimento das causas e dos fins das ações fundadas em valores morais, identificados pela inteligência, e que impelem o homem a agir virtuosamente em direção ao bem (VÁSQUEZ, 2000).

Nesta direção, a Ética é, portanto, uma doutrina Filosófica que tem por objeto a Moral, a base de valores morais que fundam a vida em uma dada sociedade situada no tempo e no espaço; é, então, o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana.

Em termos gerais, como doutrina Filosófica, a Ética é essencialmente especulativa e, a não ser quanto ao seu método analítico, ela jamais será normativa, característica esta, exclusiva do seu objeto de estudo, a Moral. Portanto, a Ética discute o que é moralmente aceito numa dada sociedade, e as mudanças no comportamento humano e nas regras sociais e suas conseqüências, podendo daí, detetectar problemas e/ou indicar caminhos e procedimentos.

A ética pode ser interpretada também como um termo genérico que designa aquilo que é freqüentemente descrito como a "ciência da moralidade", isto é, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto. Em filosofia, o comportamento ético é aquele que é considerado bom, e, sobre a bondade, os antigos diziam que: o que é bom para a leoa, não pode ser bom à gazela. E, o que é bom à gazela, fatalmente não será bom à leoa. Este é um dilema ético típico, cujo fundamento é a base moral de determinados grupos, não podendo ser generalizado em absoluto.

A Ética, juntamente com outras áreas tradicionais de investigação filosófica, ao lado da metafísica e da lógica, por exemplo, não pode ser descrita de forma simplista. O objetivo de uma teoria da ética é determinar o que é bom, tanto para o indivíduo como para a sociedade, mas em circunstâncias específicas. Os filósofos antigos adotaram diversas posições na definição do que é bom, sobre como lidar com as prioridades em conflito, dos indivíduos versus o todo, sobre a universalidade dos princípios éticos versus a "ética de situação". Sendo assim, o que está certo depende das circunstâncias e não de uma lei geral qualquer.

A ética ainda é muito confundida e vulgarizada para nomear código de conduta de determinados grupos humanos em particular ou de corporações profissionais. É muito comum, por exemplo, falar-se Ética Médica, de Ética Jurídica, de Ética Empresarial e da própria Ética Jornalística. Neste caso, o uso do termo ética, serve para nomear um conjunto de preceitos (de caráter prescritivo), e neste caso, seria mais correto nomeá-lo como “código de conduta moral” e não como “código de ética”, visto que esta é uma apropriação coorporativa, quando não privada, do uso da palavra ética, com uma diferença apenas: enquanto que a moral ordinária não carece de registro escrito, vista que está inscrita nas próprias práticas humanas, estes “códigos de conduta moral” das corporações profissionais mencionadas, instituem-se pelo registro escrito formal; é parte de um contrato e se estabelece pela adesão que os seus membros fazem nos “atos de juramento” próprios.

E porque isso não deveria ser confundido com Ética? Por um lado porque a Ética, sendo um campo de estudo sobre a base moral, não deveria ser convertida em prescrições de conduta. Por outro lado porque, mesmo sendo ela convertida em prescrição de conduta, o que esta prescrição estabelece, extrapola o âmbito privado e corporativo de um grupo profissional particular, coincidindo com uma esfera pública, que não está restrita ao grupo em questão, mas o transcende.

Ora, na Grécia Antiga, berço do surgimento da Ética, esta estava muito mais próxima da moral e da esfera privada, já que para a esfera pública havia a política. Talvez, fora da especulação filosófica, um dos momentos mais marcantes na Grécia Antiga, onde se cruzam a esfera privada da moral e a esfera pública da política, é a condenação de Sócrates. Aliás, um ponto que confirma a ética já compondo um percurso entre o privado e o público. Mas de lá para cá, um amplo processo de deslocamento fez com que a Ética fosse lançada mais e mais para a esfera pública – e, portanto, para a política.

Isso aconteceu especialmente nas sociedades ocidentais modernas, onde se re-institui, depois da Revolução Francesa, um Estado de Direitos, como fundamento do Estado Moderno – Estado este reforçado, no século XX, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, feita em 1948, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, ONU, nascida em 1945.

Não só por isso, mas porque diversas questões que habitaram a esfera privada e que hoje merecem considerações do campo da Ética, o merecem porque já transitaram da esfera privada para a esfera pública, como os diversos problemas existentes no âmbito das relações conjugais, por exemplo. Por tais razões a Ética desde muito tempo está ancorada na esfera pública, sendo esta uma das razões que explicam o fervor de seu ressurgimento recente.

Qual, nesta direção, é o problema da Ética no dias de hoje? No meu ponto de vista (que, parafraseando Leonardo Boff, é apenas a vista de um ponto), o que reacende hoje as discussões da Ética é exatamente – curiosamente e paradoxalmente – a falência (ou, se quiserem, a transmutação) da base moral em nossa sociedade. É o exato esvaziamento da base de valores morais, ou simplesmente a escassez de valores que perfila em boa parte dos escritos recentes sobre ética.

Ora, a nossa sociedade, que veio de uma periférica tradição moderna, onde – mesmo perifericamente – havia contratos de longo prazo, acordos, palavras dadas que eram honradas, transitou, no contexto do que temos chamado muito imprecisamente de “sociedade pós moderna”, para o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001), ou seja, uma sociedade em que tudo virou fluxo; tudo escorre, “vaza” no dialeto das novas gerações; tudo está destinado a não durar mais do que o instante de um êxtase. Nessa sociedade, a moral transfigurou-se em “moral à la carte” (LIPOVETSKY, 1996), ou seja, cada indivíduo (reduzido a uma instância absoluta) tem o seu próprio código moral, sem mais nenhuma dedicação a causas exteriores a cada um e a seus próprios desejos. É uma sociedade cuja moralidade foi convertida em amoralidade (e, em muitos casos em imoralidade), que funda uma nova ética: a ética pós-moderna, conforme o próprio Bauman (1997).

É uma sociedade, portanto, que apresenta novos desafios não apenas à Ética, mas a muitos outros campos de estudos. Jurandir Freire Costa (2004), em um livro chamado O Vestígio e a Aura, discute corpo e consumismo na moral do espetáculo, e tematiza nossa sociedade como sendo marcada por uma “personalidade somática” cujas características são o hedonismo e o narcisismo, ambos ancorados e potencializados pelo consumismo e pela espetacularização do bem e do mal e do que habita as esferas pública e privada. Em tal sociedade do consumo espetacularizado, este desejo mórbido e impulsivo pelo consumo já é identificado como uma doença, cujo nome é oneomania.

Quanto à sociedade do espetáculo, a primeira importante discussão a este respeito data de 1967, antes mesmo da eclosão da “revolução cultural” de 1968. É de autoria de Guy Debord (1997), um agitador cultural e diretor de cinema, fundador da Internacional Situacionista na Itália e vinculado ao dadaísmo e ao surrealismo, que antecipou uma imagem muito precisa de uma sociedade de consumo dirigida pelo império das imagens e pela submissão alienante às mídias de comunicação de massa. Isso nos lega um ambiente social absolutamente contraditório ao que em geral se diz da própria sociedade atual. É como caracterizamos ela como sendo marcada pela primazia da liberdade e da informação (afinal, vivemos a sociedade da informação).

Em termos de liberdade a minha percepção indica que temos nos retraído o suficiente para abrir mão dela, seja em nome da segurança (o outro pólo que para Freud concorre com a liberdade na produção da experiência civilizada), seja em nome de um tal “sistema” (do qual sabemos muito pouco mas que a ele nos curvamos, e quando não conseguimos entender ou explicar bem certos processos, o senso comum manda que responsabilizemos tal entidade, o sistema, este mesmo que continua a definir muita coisa, incluindo o “tempo” e o formato das FMs). Mas também porque o Big Brother que George Orwell previu em 1984 (ORWELL, 2003), está se realizando entre nós não no programa homônimo da Rede Globo, mas no dia-a-dia, com a proliferação dos sistemas de auto-vigilância (tipo “sorria, você está sendo filmado”) que nós mesmos patrocinamos; e, além disso, porque agora é a exposição da esfera da intimidade (que é a esfera privada por excelência) que garante os maiores índices de audiência. Neste caso, tanto a esfera pública quanto a esfera privada estão sendo desconstruídas em nome de outros empreendimentos que passam a constituir uma terceira esfera, que é por excelência a esfera do negócio.

No caso dos jornalistas, esta liberdade é extremamente questionável, tendo em vista que os meios de comunicação ainda não foram democratizados (César Benjamim, em seu livro A Opção Brasileira, diz que são apenas nove famílias as detentoras dos complexos de comunicação do Brasil, incluído rádio, tv e mídia impressa). Este fato, inclusive serve para questionar a reação de muitos jornalistas que acharam que a discussão de um conselho nacional ou federal de jornalismo (discutida no governo Lula, mas cuja proposição contou com a ação da FENAJ) era algo que iria tirar suas liberdades. Que liberdade?

Em termos da existência de uma suposta sociedade da informação, desconfio que, no máximo, temos uma sociedade do plágio e da pirataria, porque a informação mesma, aquela que sendo informação é a diferença que faz a diferença – esta que é objeto das guerras e piratarias de patentes – não é disponibilizada para o acesso geral; a não ser pelos atos de contravenção, pois são propriedades privadas dos oligopólios. Tudo indica que a informação que é livre ao acesso geral (e que goza de menor prestígio) já constituiu uma cortina que faz recuar os mais acomodados (a maioria). Neste sentido, há exemplos práticos de que estamos diante de gerações que cada vez mais se acostumam à prática do copy & paste (copiar e colar), prática comum, por exemplo, no atual “jornalismo de blogagem” (blogs pessoais na internet), que em muitos casos não passa de um “jornalismo de bobagem”.

Um exemplo prático disso foi como a discussão sobre o “referendo do desarmamento” foi conduzida pela imprensa para uma direção em que o que mais se questionava era o fato de “o governo ter inventado o referendo (e ia gastar uma fortuna) para tapear o mensalão”. Discuti isso com o delegado da Polícia Civil de Petrolina (que, pelo que sei foi apanhado, depois do referendo, com um arsenal de armas em sua casa), na escola Hildete Lomanto. Os jovens ficaram enfurecidos quando eu disse que essa vinculação do referendo ao mensalão não passava de uma desinformação. Primeiramente porque quem faz lei é o Congresso Nacional e não o Presidente da república. O que o Presidente faz é sancionar. Depois porque Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826) foi aprovado em 22 de dezembro de 2003, e já lá, no parágrafo 1º do Artigo 35, está dito que o referendo seria realizado em outubro de 2005. E ainda porque o estatuto foi fruto de uma mobilização da sociedade que antecedeu o próprio governo Lula. Nesta direção só é possível entender a forma como se lidou com estas informações, se considerarmos uma “sociedade da desinformação”, aonde sequer se vai atrás das fontes – e sendo assim que a imprensa “imprime” os fatos, é assim que eles passam a circular como se tivessem sido lançados em uma órbita independente.

A própria discussão recente, com a finalização da CPI dos Correios em 5 de abril, da existência de um suposto esquema de mensalão mantém duas contradições nas quais ninguém toca: a) se o mensalão era para custear a aprovação de leis favoráveis ao governo, porque foi exatamente neste período em que o governo teve mais dificuldade em aprová-las? b) se, por outro lado, este suposto mensalão era para custear a troca de partido de deputados, porque os deputados mencionados no relatório não o fizeram? Então, em que se sustenta a afirmativa de que “houve mensalão” nos termos em que foi denunciado por Roberto Jefferson?

1.2. Ética e comunicação

Fiz uma opção, um recorte, de não entrar especificamente no tema “Ética Jornalística”. Sei que esta se trata de um conjunto de normas e procedimentos éticos que regem a atividade do jornalismo, e que, embora geralmente não institucionalizadas pelo Estado, são consolidadas em forma de códigos deontológicos que variam de acordo com cada país. No Brasil funcionam as normas da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas do Brasil), com influência do código da FELAP (Federação do Jornalistas da América Latina). E sei que as práticas jornalísticas, em nossa região, vivem a contrariar tais códigos, especialmente pelo que já foi dito em termos do monopólio da comunicação no Brasil, com extensão até a nossa região; e ainda levando-se em conta o coluio da imprensa regional com os poderes políticos mais tradicionais e mais reacionários, que historicamente estiveram contra qualquer liberdade – especialmente a de imprensa. Mas não pretendi entrar nestes aspectos mais específicos.

O que quero fazer é uma relação mais ampla entre Ética e Comunicação. Como professor, fico profundamente angustiado quando, diante um mundo profundamente perturbado, vivem criando demandas para a educação. Se algo vai mal, se o trâsito vai mal, se as meninas estão parindo cada vez mais cedo, se o problema da droga invade os lares, se o meio ambiente está sendo degradado, se a violência toma conta da cidade (e nos impele a construirmos nossas “prisões domiciliares”)... Quanto mais o mundo se perturba, mais se criam demandas para a educaçào.

Isso me irrita porque, todas outras instituições sociais são igualmente responsáveis pela produção desses problemas e deveríam ser responsabilizadas e convocadas a apontar e produzir soluções. Mas não é isso que ocorre. Diz-se: “é falta de educação!” Mas não se diz que educação não se restringe à escola. Não se diz que a cidade, que a mídia, que o comércio, que o apelo consumista também educam. Não se diz que o comércio de fuleragem produz uma sociedade fulera. E o campo da comunicação participa diretamente desta produção, desta educação – afinal as mídias de comunicação de massa são hoje os instrumentos fundamentais da chamada “indústria cultural”, cunhada por Max HORKHEIMER e Theodor ADORNO (1985).

Aliás, a metáfora do “canto das sereias” que estes dois vão buscar em Homero (na Odisséia), continua sendo uma boa metáfora para tratar da indústria cultural do momento. Na Odisséia, Ulisses, iniciar o seu retorno à Grécia, foi avisado pela feiticeira Circe de que teria que passar próximos a alguma ilhas onde se encontravam sereias com cantos tão magníficos que jamais alguém resistiu aos seus encantos, tendo todos se lançado ao mar ao econtro destes, e morrido. Mas a Ulisses fora concedido o direito de ouvir e se deleitar com a beleza de tais cantos, desde que atado ao mastro de sua embarcação, enquanto que aos remadores foi negado este direito, pois estes deveriam continuar remando, desde que com os ouvidos tapados para não ouvir o mesmo que Ulisses ouviria atrato ao mastro de sua embarcação. Este mito, consitui uma metáfora em que a “bela arte” é separada para consumo da elite – enquanto os “trabalhadores” continuam trabalhando com os uvidos tapados. A diferença de hoje é que agora os próprios produtos desta indústria que se oferece ao “povo” (os remadores, a classe operária de Ulisses) foram convertidos na própria cera em seus ouvidos, não apenas para impedir-lhes a audição, mas para danificar o próprio aparelho aditivo.

Atualmente, o jornalismo e a mídia em geral oscila entre a imagem romântica de árbitro social e porta-voz da "opinião pública" e a de empresa comercial sem escrúpulos que recorre a qualquer meio para chamar a atenção e multiplicar suas vendas, sobretudo com a intromissão em vidas privadas e a dimensão exagerada concedida a notícias escandalosas e policiais. Neste sentido o jornalismo não pode ser simplesmente reduzido a uma técnica de transmissão de informações a um público cujos componentes não são antecipadamente conhecidos, mas que se supòe conhecer. Essa coisa cada vez mais banal do que “o povo gosta” e da “opinião pública”, como se as mídias não participassem da construção deste “gosto” e desta “opinião”. É preciso levar em conta que hoje o termo jornalismo faz referência a todas as formas de comunicação pública de notícias e seus comentários e interpretações. Mas não só isso, a publicidade (aqula mesma que é a máquina do consumismo), a assoria de comunicação e os órgão de “promoção cultural” participam da atividade jornalística. Não dá para deixá-los isentos.

Para evitar um relativismo banal e improdutivo – típico do dilema grego do que é bom para a gazela não pode ser bom para a leoa – é preciso achar um ponto em que uma esfera de existência comum inclua tanto a gazela quanto a leoa. Em termos humanos é isto que está em questão hoje. E se isso é algo que todos arremessam para o campo da educação, eu estou me propondo a ajudar a devolver a educação para âmbitos mais amplos que a escola, o que incluiria outras instituições e ramos profissionais, especialmente as mídias de comunicação de massa e, no seio desta, a atividade jornalística.

A paisagem da fuleragem e da banalização (esta em que o fulero é a nova figura de valor; em que o escroto é que é o bacana) é também uma paisagem de subjetivação das novas gerações; é uma exterioridade indisfarçável. E muito dos nossos problemas, incluindo o esvaziamento da base moral e a escassez dos objetos da Ética, estão aí ancorados. Se ainda há desafios éticos nobres a serem encarados, este é um deles.

2. ACRÉSSIMOS

Sei que muitos jornalistas (mais ocupados em estabelecer quem é e quem não é jornalista – aliás, uma preocupação corporativa da qual se ocupam as suas instituições de classe), não toleram esta abordagem. Sei também que poderia ter havido um debate após a palestra e que muitas coisas mais específicas sobre a relação entre ética e jornalismo poderiam ter surgido. No entanto, este foi meu recorte possível. Ademais, se o Sindicato dos Jornalistas está mesmo interessado nesta discussão, seria bom reservar um espaço para isso, com tempo para debate, sem essa agonia da mistura com álcool e barulho típicos de bar em dia de festa. Se for o caso de terem de contar comigo, estarei disponível, desde que o espaço seja mais apropriado.

Obrigado!
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BIBLIOGRAFIA MENCIONADA E SUGERIDA

BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus, 1997.

BAUMAN, Zygmunt. A Modernidade líquida. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. – Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

HORKHEIMER, Max & DORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.

LIMA, Luiz Costa (org). Teoria da Cultura de Massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Pós-Dever. In: MORIN, Edgar; PRIGOGINE, Ilya e outros. A sociedade em busca de valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. – Lisboa, Portugal: Instituto Piaget, 1996, p. 29-37.

ORWELL, George. 1984. – 29ª ed. – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004.

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Desconstruir Duchamp: arte na hora da revisão. – Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2003.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. – 20ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000).

CANTADA

Se se pudesse comprar certas coisas
Eu iria trabalhar pesado
Como não, eu fico descansado
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Mas ainda assim eu preferia ter
que trabalhar muito e alienado
Se certas coisas se pudesse comprar
pagando por elas o seu devido preço justo.
/
Custo por custo, certas coisas
Não se pode mesmo comprar
Senão, era simples: "quanto custa?", "quanto dá?"
Embrulha, empacota, ensaca, bota na gaiola
Sendo bem pago, ainda posso até alforriar
/
Mas certas coisas não se pode comprar
Não há preço, tabela, moeda, câmbio negro
Fiado, crédito, prego: “pode pendurar”
/
Certas coisas só se pode mesmo conquistar
Coisa cara, cara a cara,
Preço que nem sempre se pode pagar
/
Eu compraria um par de seus olhos negros
Nem que fosse uma cópia fajuta
Enjaulava numa moldura e pregava na parede
/
Penduraria fiado a rede ali bem perto
E, de certo, esperaria as cobranças
de olho pregado naquele par de olhar
Assim eu estaria dispensado
do dispêndio de ter que conquistar
/
Mas como eu não sou coronelzinho
Como eu prefiro espernear,
Correr atrás, sofrer, fazer por merecer
/
É somente isso que posso fazer
Pra ter por apenas mais dez minutinhos
Depois que a festa acaba
Seus olhos de jabuticaba.
/
/
Josemar Pinzoh da Silva Martins
Dia 10/01/2004

sexta-feira, 9 de março de 2007

Jean Baudrillard virtualizou-se!

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
Professor do DCH III/UNEB
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Ultimamente tenho me tornado uma pessoa estranha. Tenho sempre um torpedo espinhoso apontado para a cara da mídia, e uma profunda desconfiança daquilo que nomeamos como "sociedade da informação". Desculpas rotineiras para justificar certas escolhas recorrem sempre a um tal "sistema" ou ao "gosto do povo" (mais comum quando se trata de justificar o apelo mercantil e matemático às massas consumidoras), e tais coisas funcionam como se tivessem se convertido em entidades tangíveis e irrefutáveis, às vezes com status de entes "científicos".

Ao mesmo tempo "povo" e "sistema" disputam um modo de nomear um novo "centrismo", uma espécie de nova revolução copernicana. E, no fundo, as duas coisas não tem outro referente a não ser o universo dos simulacros e das simulações. E, pior ainda, tal ponto de culminância é uma espécie de excedente transversal que não decorre de uma autoria facilmente localizável, mas é o que Baudrillard chamou de O Crime Perfeito: um crime sem autoria, sem culpado! No fundo todos nós somos seus autores!

Tal modo de encarar os fatos advém de certas lentes de visão que adquiri com a leitura de obras de Jean Baudrillard. Curiosamente meu contato com ele foi através de um pequeno livro (84 p.)chamado Senhas (Rio de Janeiro: DIFEL, 2001). E passei a desconfiar de que a atribuição de "pai da pós-modernidade" a ele remetida, é um equívoco, pelo menos em parte. Qualquer um de seus leitores sabe que ele jamais foi um ufanista da pós-modernidade, mas seu crítico, através do recurso de um niilismo irônico que só ele soube esboçar.

Sistema, gosto do povo, sondagem de audiência... Todas essas coisas não passam mais de simulações e simulacros (como cópias inautêncicas que já não se relacionam mais com seus referentes, e se alguma autenticidade pode ser atribuída a elas é por conta mesmo dessa distância original). Tratam-se de uma espécie de realidade pura, solta em sua órbita, compondo constelações que se engendram em novas galáxias! Eis o "sistema"! Eis a "Matrix". E o excesso de mensagens anulando a comunicação; o excesso de exposição erótica anulando o sexo; a reiteração banalizada do tosco anulando o gosto. Involução da espécie pelo progresso da técnica. É isso que ele expõe em A ilusão vital (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001).

Eu poderia arriscar que se houve algum niilismo capaz de nos devolver um senso crítico do ponto onde chegamos, este foi aquele praticado por Baudrillard. Outrora houve um Nietzsche. Mas hoje já não há mais nem um Jean Baudrillard. Ele morreu (tornou-se ele hiper-real?)!

Algumas palavras suas sobre o niilismo: "O niilismo é hoje em dia o da transparência, e é de alguma maneira mais radical, mais crucial que nas formas anteriores e históricas, pois esta transparência, esta flutuação é indissoluvelmente a do sistema, e a de toda a teoria que pretende analisá-la. Quando Deus morreu ainda havia Nietzsche para o dizer - grande niilista perante o Eterno e o cadáver do Eterno. Mas perante a transparência simulada de todas as coisas, perante o simulacro de realização materialista ou idealista do mundo na hiper-realidade (Deus não morreu, tornou-se hiper-real), já não há Deus teórico e crítico para reconhecer os seus" (Simulacros e simulações, Lisboa: Relógio D´Água, 1991, p. 195).

Concluira ele que o universo e nós havíamos entrado todos na era da pura simulação, numa esfera maléfica, ou pior, indiferente; um niilismo de matéria insólita que realiza-se não na destruição, mas na simulação e na dissuasão. Eis que Baudrillard aí ainda é niilista e já não o é mais, porque tornou-se seu severo observador. Seu crítico irônico! Uma ironia que evita deixar explícita sua busca pelo reconhecimento dos seus, mas não disfarça tão bem assim esta busca.

Ao invés de dizermos apenas que Baudrillard foi uma dos "pais" da pós-modernidade, é importante ainda buscar compreender a potência de suas palavras apontado, talvez, outro rumo. Mas agora é tarde, porque tudo o que dissermos a seu respeito; todo e qualquer uso que fizermos de seus textos e de suas idéias, já será mera simulação de seus efeitos. E seu autor nem mais estará entre nós para se defender. Baudrillard, daqui em diante será mera simulação. Tudo o que dele emanar será efeito dessa virtualização de sua existência; de sua presença em forma radical de ausência, ao mesmo tempo a nos dizer que a morte é o que há de mais real. E a virtualidade não passa dessa espécie de morte; dessa passagem. Desse duplo da existência em forma de inexistência.

Baudrillard agora é virtual!
Baudrillard morreu! Viva Baudrillard!
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É ele que me anima ainda a simular torpedos espinhosos contra a farsa da "sociedade da comunicação" e seus simulacros, como um um Dom Quixote em luta vã contra os moinhos de vento! Sem nem mesmo a companhia de um Sancho Pança!

quinta-feira, 8 de março de 2007

MULHERES

Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade, até porque elas são desarmadas pela própria natureza: nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres, flechas, espadas. Ninguém lhes dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência.

As mulheres detestam sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência.

É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas.
São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer a ternura de suas mentes e a doçura de seus corações.

Nem toda feiticeira é corcunda.
Nem toda brasileira é só bunda.
///
Autora: Rita Lee
///

Mulheres Gostam

(De Alexandre Leão e Manuca Almeida)
(Melhor na versão cantada por Marina Elali)

Mulheres gostam flores
Mulheres gostam xampu
Mulheres gostam de espelho
Mulheres gostam de corpo nu

Mulheres gostam de homens
Mulheres gostam de gastar
Mulheres gastam o tempo
Não gostam de ver o tempo passar

Algumas gostam de mulheres
Algumas choram demais
Mulheres amam os filhos
Mulheres amam os pais

Mulheres gostam de meias
Mulheres gostam de batom
Mulheres gostam de homens
Que não perguntam se foi bom

Mulheres perdem a hora
Mulheres pedem pra olhar
Mulheres vão juntas ao banheiro
Mulheres ainda querem casar


Mulheres geram
Mulheres cuidam
Mulheres sabem amar

Mulheres choram
Mulheres dançam
Mulheres querem casar

(quem quiser ver um vídeo da Marina Elali cantando esta música acesse o endereço http://marina-elali.letras.terra.com.br/videos/IjLX5Mqn4iX/)

segunda-feira, 5 de março de 2007

NOSSA SOCIEDADE É DOENTE!

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
Professor no DCH III/ UNEB

Da mesma forma que uma adolescente acometida da bulimia (ou de qualquer outra dessas doenças pós-modernas, como a oneomania, a doença do consumo), só poderá ser tratada se admitir-se doente, também a nossa sociedade só poderá ser remediada se se admitir cronicamente patológica. Não sofremos apenas de excesso de egoísmo, narcisismo, hedonismo e estultia. Também falta um nome mais apropriado para essa mania de auto-enganação, para essa carnavalização do desastre. E agora as novas gerações não miram mais a máquina fotográfica na paisagem que há para além de si: miram em si mesmas. É o império da auto-imagem, numa era em que supostamente estamos aptos a lidar com o outro. E onde está o outro, se só temos olhos para nós mesmos? Somos já todos os outros de nós mesmos.

Bastamos-nos! E, no entanto, vivemos enfiados em paradoxos: dizemos viver o império da liberdade, e dormimos em cárceres que nós mesmos construímos: cárceres domésticos; prisões domiciliares. Temos medo! Império do medo e da insegurança! Qual liberdade?

Dizemos que vivemos uma "sociedade da informação", ou "do conhecimento", e nos deparamos cada vez mais com as gerações do tipo "sei-que-lá-sei-que-lá". Tipo assim: "ah, sei lá!" Que confunde rebeldia com aquela coisa enlatada - o RBD - que se estende desde a TV ao DVD, e até as lojas, papelarias e salas de aula como mero objeto de consumo! Aliás, já perdemos a capacidade de discutir e de pensar a qualidade. Agora que tudo virou mero consumo, que tudo foi entregue ao mercado, só há uma regra: a da quantidade! Só conseguimos enxergar números, quantidades, massas consumidoras. Tudo o mais é abstração desprezível! É uma pena! E, talvez, o principal sintoma de nossa patologia.

Mas, ainda assim, continuamos nos encantando com os desertores da ordem do primeiríssimo mundo, que migram para cá para cair na bagunça, gozar com a nossa cara, e tentar nos convencer de que nosso caos lamacento e fedorento é sim o prenúncio do paraíso. Enquanto continuarmos nos enganando com a forma como os loucos do primeiro mundo nos olham, não conseguiremos mirar nossa própria loucura. E já perdemos a medida de tudo, e nem mais enxergamos os descaminhos de nossa barbárie! Se já confundimos tanto liberalismo com liberdade, é porque copiamos rapidamente os padrões dos outros, e pelo menos em parte nossos problemas devem-se a isso. Certamente estamos diante de uma necessidade profunda de revisão de nossas premissas civilizatórias. Admitir isso é um passo para pensar nos rumos que podemos nos dar, e ao nosso futuro!
(copiado do outro blog do autor: http://pinzoh.blog.uol.com.br/)

domingo, 4 de março de 2007

CARTA-RESPOSTA

Juazeiro, BA, 04 de março de 2007

Caríssimo José Alberto Gonçalves Lopes
Presidente da ACCORD

E demais amigos da Rádio Curaçá FM

Em primeiríssimo lugar gostaria de agradecer pelo convite que me fazem para me tornar parte da equipe de cronistas da Rádio Curaçá FM. Fico realmente lisonjeado! No entanto, coloco apenas uma prévia condição para o aceite: que esta carta-resposta seja a minha primeira crônica para a Curaçá FM, pois é nela onde exponho a vocês a minha particular (e precária) visão das coisas, e onde antecipo os riscos que podem estar correndo. O meu intuito, agindo assim, é apenas de evitar que vocês comprem gato por lebre! Por outro lado isso estaria me poupando do esforço de ter que, além de escrever esta carta, ainda escrever uma primeira crônica para a rádio. São estes os meus termos para o aceite!

Passo então a expor o meu modo de encarar o compromisso e a concomitante responsabilidade que estão implicados na manutenção da existência de uma rádio comunitária, em uma cidade interiorana como Curaçá, no atual estado de nossa civilização.

Gostaria de retomar aqui uma frase sua, José Alberto, na única reunião da ACCORD da qual participei. Diante de uma colocação minha, sobre a necessidade de inovar, você afirmou que “não podemos começar as coisas já inovando”. Nesse ponto nós estamos substancialmente em desacordo. A inovação é inerente ao reinício dos ciclos de formação e integração das novas gerações, mesmo em situações de tradições muito fechadas, o que não é o caso aqui. A inovação é o que faz a história andar, é a produção de um desvio criativo, antes mesmo de a criatividade ser aprisionada no establishment institucional das tradições conservadoras. A inovação é, inclusive, um dos discursos mais potentes hoje, no interior dos processos de formação dos gestores dos novos negócios do mundo. A inovação é ainda o que pode mais perfeitamente responder à pergunta: como é que faz para andar na frente? Portanto, é perfeitamente possível – e até desejável – que a experiência desta rádio inicie inovando, até porque estamos todos nós aprendendo, e essa abertura nos levaria mais facilmente à inovação.

Mas, para inovar, meus caro, é preciso exercitar a dúvida, fugir do óbvio, pensar, inventar linhas de fuga em relação aos caminhos já afundados. Ultimamente vivemos de cópias baratas, de plágios, de pirataria. Seríamos mais autênticos se fôssemos nós os inventores de discursividade, os inventores de novas possibilidades criativas para a comunicação, e não meramente os plagiadores.

Acontece que pensar na atual situação do mundo se tornou uma tarefa penosa que ninguém mais quer se dar ao trabalho. Tudo parece estar disponível em algum lugar para ser copiado. A internet tornou-se o mar onde se pesca tudo, inclusive as falsas cópias, que sequer checamos a autenticidade. Nesse sentido – tenho discutido isso com os alunos de Comunicação Social na UNEB –, a tão aclamada “sociedade da informação” tem se tornado a da impossibilidade da comunicação, exatamente porque a comunicação tornou-se o lugar por excelência da mera simulação; o lugar do simulacro, da invenção das realidades e da produção da necessidade e do gosto, para dispor massas de consumidores anestesiados que sustentam a máquina do capitalismo mundial integrado! A questão é: uma rádio comunitária deve apenas se prestar a ser mais uma extensão disso? É possível que ela aponte outra direção? Qual é mesmo o seu sentido político? É enxergar a política no jogo dos “lados partidários” locais, ou enxergá-la para além dessa fronteira, nas maquinarias mais complexas de produção do desejo, do consumo e da alienação?

Por exemplo: ouvi também naquela mesma reunião à qual já me referi que a rádio tem que atender ao gosto do povo. Ora, muito bem! Isso significa que se o povo preferiu, por exemplo, eleger um determinado político, nós temos apenas que aceitar isso como um determinismo – inclusive sem considerar os modos pelos quais se produzem as inclinações políticas, hoje fruto cada vez mais dos planejamentos publicitários? O que é o gosto do povo? Cada um trás o seu gosto de berço? Gosto é que nem c., cada um tem o seu? Estamos dispostos a entender que processos complexos produzem hoje o chamado gosto popular? Alguém de vocês já perguntou por que certos estilos musicais, por exemplo, tocam mais nas rádios? Alguém já perguntou ao gerente do BOMPREÇO, em Petrolina, porque sempre que a gente entra lá, está sendo exibido o DVD de uma determinada banda ou artista? Já tentaram ver como funcionam os esquemas de vendagens nas maiores lojas de disco? Alguém, por exemplo, já ouviu falar em jabá? Já ouviram falar em Indústria Cultural? Sabem no que ela consiste? Entendem que a reiteração de certos produtos não é apenas fruto de uma espontaneidade popular dos consumidores? São estas as minhas questões para vocês.

Se me pedem para ser cronista da Rádio Curaçá FM, não esperem mais do que a minha disposição em problematizar estes lugares comuns, amplamente reiterados, quando se trata de discutir a comunicação, ou o gosto do povo, ou qualquer outro chavão banalizado. Como educador não suporto mais ouvir alguém dizer na imprensa que tudo é questão de educação. Enquanto isso, não apenas a educação continua sendo tratada como pano de chão, como também ela é reduzida à educação escolar. Como educador tenho me disposto a saber, por exemplo, dos responsáveis pela mídia em geral, quais suas responsabilidades com essa educação que eles mesmos dizem que está faltando.

Agora mesmo há uma discussão suscitada pelas recentes cenas de barbárie, sobre a redução da maioridade penal. Todos os que se opõem a isso dizem que em vez de reduzir a maioridade penal é preciso dar educação. Mas ninguém diz que parte da barbarização que estamos vendo, é fruto da reiteração da barbárie por parte dos meios de comunicação; é fruto da estética da barbárie, cujo sangue das telas respinga na vida real. Mas ninguém responsabiliza a mídia por isso. Ela própria faz-se de desentendida e transfere a responsabilidade pela “salvação da sociedade” à escola. E em geral culpa governo. Quer dizer que todo mundo pode “deseducar” e apenas a escola e o governo devem educar? Todo mundo deve continuar ganhando dinheiro vendendo banalidade e depois a conta fica com a escola e o governo? Essa lógica não se difere da lógica do narcotráfico, pois hoje em dia não são apenas os narcotraficantes que vivem de vender drogas – inclusive porque certos produtos culturais têm os mesmos efeitos psicoativos que qualquer narcótico. Vamos encarar os fatos!

Assim sendo, não posso acreditar numa rádio, comunitária ou não, que não se preste a problematizar isso! E, sendo comunitária, o espectro das motivações que a fizeram existir, lhe convoca a ser vetor dessa problematização.

Curaçá é, como qualquer cidadezinha do interior, o espaço primordial para a expansão de atividades e negócios de toda ordem. Atualmente ela está atravessada pela lógica da fuleragem pública. O “fulero” (ou fulheiro, como consta no dicionário) hoje virou signo de moralidade. E quem produziu Isso? E, diante disso, tudo que podemos fazer é festejar e reiterar essa virada moral e ética?

Eu não acho que o gosto do povo é isento de manipulação. Não acredito em sua “santidade” e isenção. Eu não acho que as coisas merecem apenas ser entregues à lógica das quantidades consumidoras. Eu não acho que a cidade deva ser apenas o palco generalizado dos negócios – que produzem todo tipo de lixo material e imaterial. Não acho que esta atitude liberal nos leva a lugar algum. Nesse sentido, entendo que a contribuição de uma rádio como esta é potencializar a condição da cidadania? É provocar sua melhoria! É animar um debate público das questões públicas? É ser guardiã da esfera pública, que não diz respeito apenas ao que é da Prefeitura, mas diz respeito ao comum. É impedir que fiquemos presos a uma nova caverna de Platão – cujas sombras agora podem ser animadas e projetadas não nas paredes, mas nas telas, pelos recursos tecnológicos dos quais dispomos.

Uma rádio como esta não pode se dar ao luxo de ser apenas uma vitrola cuja caixa de som tem um alcance maior. Ela precisa se converter em espaço de problemtização. Precisa chamar à responsabilidade as autoridades locais. Precisa saber da justiça local, que proíbe que os bares funcionem depois das vinte e três horas, o que mais têm a propor para a cidade, para as juventudes, para as crianças. Precisa saber dos políticos se eles estão interessados apenas no espetáculo, na política de “pão e circo”, através da qual fazem a manutenção de suas posições e privilégios, impedindo que o povo pense sobre isso. Precisa saber das lideranças se apenas se preocupam com suas auto-imagens. Esse é o espaço que eu acho que esta rádio pode ocupar.

O resto é manutenção do entretenimento alienador, e qualquer porta-malas de carro pode fazer muito bem este trabalho.

Caso desejem que eu pertença à equipe de cronistas da Rádio Curaçá FM, comecem por admitir essa perspectiva de crônica.

Atenciosamente

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)