“Tem alguém aí que quer ser professor? Levante a mão, por favor!” Fiz a pergunta-solicitação e calei. Corri o olho no auditório. Ninguém. Uns se olharam, outros me olharam, outros fixaram o olho no branco do fundo da tela onde deveria haver um PowerPoint. A platéia, claro, não era de alunos de Pedagogia. Era uma galerinha bonitinha, com umas branquinhas gostosas com cabelinhos enrolados, dreadlocks classe média, cheias de discursos. Falaram tantas vezes que o problema da educação é do professor. Alunos de Pedagogia, se havia, se calaram. Até porque a maioria deles quer fazer qualquer outra coisa, menos assumir a sala de aula. Menos ser professor.
Calei! Na verdade quase ninguém quer acordo com sala de aula. A verdade é esta. Mas todo mundo quer meter o pau no professor e na escola. Ou então os professores que existem, estão alienados com esse negócio de sacerdócio, de tia, de amor, dessa perfumaria barata. Pensei: nisso aí temos culpa sim! Podíamos organizar uma insurgência. Devolver à sociedade a responsabilidade pela educação. Declarar: a partir de hoje não queremos mais educar não! Queremos somente dar nossas aulas, recebendo por elas o devido preço justo. A responsabilidade pela educação, nós devolvemos aos pais e mães – que se demitiram do compromisso e da responsabilidade de educar seus filhos. Devolvemos a responsabilidade de educar à mídia – habituada a estandardizar o desastre e a tirar proveito da miséria humana, cada vez mais espetacularizada. Devolvemos a responsabilidade de educar à rua – vampirizada por todos os ímpetos mercantis, especialmente pelos vampiros do entretenimento fútil.
Olhei mais uma vez aquela platéia bonitinha, com o discursozinho organizado, o dedo em riste, apontando para o professor e para a escola. Garotos e garotas cheios das mais novíssimas teorias sobre o nada do nada, sobre como mudar o mundo a partir dos seus perfis no Facebook, achando que a revolução é esta e não há outra. Pensei mais uma vez: a partir de hoje deixaremos o compromisso de educar aos alunos bonitinhos desses cursos das artes e profissões liberais, nicho da classe média intelectualizada. Gente inteligente e bonita, liberal e doida, chegada a uma psicodelia. Deixemos a essa gente boa! Deixemos aos porta-malas dos carros dos novos ricos, eles próprios deseducados, com grana e sem glamour. Deixemos aos jovens, cujos pais ajudaram a escolher a profissão, mas seguramente os aconselharam a não escolher a profissão docente. Deixemos a eles que escolherem uma profissão mais nobre, falando pragmaticamente: que dá dinheiro rápido, para que comprem, já no primeiro ano de consultório ou de escritório, o Honda Civic do ano, para pousarem de quase-Deus.
Deixemos o compromisso de educar ao advogado neófito, preso à linguagem da burocracia jurídica; ao doutorzinho de branco, receitando com programa de computador; ao empresário, que ganha dinheiro vendendo porcaria; ao jornalista, achando que, porque sentou na mesma poltrona que o deputado, já lhe é íntimo; ao político, querendo sempre transformar tudo em voto e caixa dois, o que vier primeiro. Deixemos a eles. São eles, todos eles, esses e outros, pessoas de bem, tão preocupadíssimas com a educação, que de hoje em diante devem educar. Aliás, são eles que, a partir de hoje, devem assumir que educam, devem assumir que também são responsáveis pelas subjetividades doentes que a escola recebe para tratar. A escola: “clínica do social”. Chega disso!
Achei estranho que ninguém queira ser professor. Que todos os que dizem que a educação é uma coisa muito importante, não queiram negócio com ela. Que todos os que dizem que professor é o profissional mais importante da galáxia, não queiram sê-lo. Achei estranho que naquela platéia, com tantas pessoas ávidas a apontar o dedo na cara do professor, não houvesse nela ninguém querendo ocupar este lugar da docência. Sintomático!
Então podem mandar suspender aquela propaganda do "Todos Pela Educação" na Televisão, que ela não está dando resultados!
Minha síntese: enquanto não dermos salários dignos e tempo de trabalho digno aos professores e professoras - além de respeito e cuidado - não lhes podemos cobrar o que cobramos. Menos ainda podemos apontar-lhes o dedo!