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domingo, 19 de abril de 2009

ALMAS CIBERNÉTICAS

que almas calmas roçam de leve a poça d’água
sopram os galhos da palmeira
estilhaçam cada gota antes que elas toquem a terra
e rompam sua áspera aridez?

que almas calmas embalam as cigarras?
não aquelas de óperas desesperadas
no seio ressequido do sertão
mas este chiado constante do lugar aonde chegamos

estas almas calmas conseguem captar velocidades?
e conseguem contrapô-las?
há almas que resistam a este chiado constante
de cigarras cibernéticas?
a este reboliço que estremece
na invisibilidade das instituições que nos habitam?

que almas calmas resistem a longas reuniões?
a barrigas vazias, salários atrasados
e demasiadas teorias?

que pressupostos movem as almas calmas?
e as fazem acordar cedo no chiado de cada dia
bule no fogão, chiado da chaleira
trânsito na rua, turbina do avião
vassoura e chinelo se arrastando pela sala
esgotos descendo embaixo do chão...

casulo de lagarta se rompendo
ruídos das asas da borboleta
que almas calmas captam esses sons sutis
do estrondo do sol se levantando
das raízes rompendo lá embaixo o chão
da lua escorregando na minha janela?

almas calmas dormem nesse zum-zum-zum de abelha?
no chiado do enorme entulho de barulho
que depositaram bem abaixo da minha orelha?

dormem com o rugir da vida andando, indivisível?
ou na engenhoca das coisas se movendo, dragão invisível?
onde se afugentaram longe daqui as almas calmas?

aqui moram agora as cibernéticas, de silício,
só éter, chama, luz e sobra sem textura
que não dormem um instante e sequer pousam

e se cairmos todos agora desta altura?


(Poema ganhador do VI Salão de Artes Universitário Regional, na categoria poesia. UNEB/DCH, abril de 2004)

A CHUVA

A CHUVA

Há dias vinha havendo o aumento do abanar de mãos à cama
O arreganhar de janelas e o abuso dos ventiladores
O tempo quente e úmido e pesados tons eram os do céu.
A mulher murmurava – “vai pegar fogo em tudo!”
Enquanto o homem desabotoava a camisa alisava a pança.

Presságios! E nem por isso arrumou-se o telhado.
Nem por isso recolheu-se o lixo das ladeiras
Ou limparam-se as bordas dos bueiros.
Nem por isso afastou-se dos precipícios das encostas
Os desvalidos de todas as estações do ano
Nem deu-se folga à margem já minguada do riacho!

E o tempo trincando tudo de calor!
Daí a pouco, um pingo grosso, pancada forte na vidraça
E logo outro e outro e outros...
Um raio rachou o céu no meio, de cima a baixo
Crispou uma franja na borda do céu
E o estampido foi quase uma bronca irada na moçada!
E veio a primeira enxurrada!

E tão logo correram todos a aparar goteiras,
A fechar janelas, a recolher roupas no varal
E desligar os aparelhos eletrônicos...
E outros tantos a desabar ladeira abaixo
Ou a nadar no rio da rua, se a sorte lhe foi boa!

Era a chuva, nos dizer de nosso despreparo
em conviver com suas (ir)regularidades.
E ainda assim comemoramos, em meio ao aperreio!
Certamente a natureza se refresca
E em pouco tempo os brotos farão festa.

Por enquanto uns alegremente se lameiam.

Outros tantos só lamentam!
E alguns, nem isso! Apenas bóiam!

DIA E NOITE

os dias passam como as águas
como o rio, o tempo é sempre adiante.
só eu pareço parado, franja na testa, idéia tesa!
ouvindo escorregar o tempo como as águas
e algo, porém, em mim, é radiante.

eu ouço o tilintar metálico das horas
eu sinto o palpitar da terra se movendo
perscruto até o ranger das nuves lá no céu
outras coisas nem com esforço entendo
como um larido que há aqui na vizinhança
que eu não cogito razão de existência...
ou a xaropice dos barulhos da cidade
que vazam até mim pela fresta da janela
e gastam até um pouco a minha tolerância
mas por hora só sei do zumbido maior dentro de mim
este sim, exige dose maior de paciência.

acho que sei que a vida é assim
um labirinto largo, que dura a vida toda
e que só à noite a alma se liberta
e até flana em passeios que não conto.

penso que um outro eu de mim se despreende
para rondar os becos da cidade
até achar um deles que leve ti
para ter, assim, notícias suas
e vira esquinas e dobra ruas
e volta a me dizer que dorme em paz,
que tem os olhos bem fechados
e um riso inciado na boca entreaberta
e quando a manhã vem e me desperta
eu tenho a sensação de ter sonhado.

assim vivo, dessas sensações pequenas
desses pequenos acenos dos seus olhos
dessas mentiras que invento pra mim mesmo
pois dentro de mim só o que existe é ermo
o tempo extenso, o dia quente e longo

já que nessa confissão eu escorrego
aproveito então e digo logo
que só em sua promessa e eu já me afogo
um meio sorriso seu, e eu já desabo...

e espero o tempo, rio que nunca pára
que me promete que quem espera alcança
promessa esta que em mim balança
pêndulo do tempo, e apenas isto!
e se nem assim isto me cansa,
assim também, afirmo, eu não desisto!