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sexta-feira, 27 de abril de 2007

EDUCAÇÃO: A CRÔNICA DO PRESENTE

Josemar da Silva Martins
Professor da UNEB no DCH III (Juazeiro, BA)
Doutor em Educação pela FACED/UFBA
Não têm conta entre nós os pedagogos da prosperidade que, apegando-se a certas soluções onde, na melhor das hipóteses, se abrigam verdades parciais, transformam-nas em requisito obrigatório e único de todo o progresso. É bem característico, para citar um exemplo, o que ocorre com a miragem da alfabetização do povo.
(Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil)
A maior parte das análises sobre educação geralmente se prende – e de forma bastante pragmática – à questão escolar. Sobretudo agora, quando um discurso renovado empenha todas as faturas, de todos os problemas sociais, na conta da educação, reduzida à idéia de escola. Isso não é novo: diversas vezes em nossa história, a educação foi tomada como a “alavanca para o progresso” e reduzida à instrução escolar elementar, ao mero alfabetismo.

Esta perspectiva já se anunciou desde a aurora do século XVI, com a Reforma Protestante, quando Lutero e Melanchton defendiam a educação universal e pública, capaz de tornar cada pessoa apta a ler e interpretar por si mesma a Bíblia. Depois, já no séc. XVII, esta perspectiva se deslocou do campo da religiosidade para o terreno volvido pelas idéias iluministas, que ressaltavam a razão como o grande instrumento de apreensão e interpretação do mundo. E a escola passou a ser defendida com caráter leigo e livre, ao encargo do Estado, devendo se tornar um bem de caráter universal, obrigatório e gratuito (Cf. NUNES, 1994: 91-93). Daí em diante o próprio arquétipo da modernidade sustentado pelo Iluminismo, adotou esta idéia de educação reduzida à escola, e suportada em quatro princípios burgueses: a universalidade, a gratuidade, a laicidade e a obrigatoriedade.

Entre nós, desde que a proposta moderna de matriz Iluminista se fez presente, contra um modelo de sociedade tradicional em crise, se discute a importância da educação escolar sustentada naqueles quatro princípios burgueses e a sua vinculação com a idéia de alavanca para o progresso; como elemento modernizador. Desde antigas discussões sobre problemas de integração nacional, de transformação das massas em povo, de conversão dos súditos em cidadãos, de superação de nossas mazelas econômicas ou de enfrentamento do nosso formidável sistema de exclusão social, a educação escolar é erigida como variável modernizadora, o que vai orientar as propostas de universalização da instrução primária na América Latina e no Brasil. É por isso que desde fins do século XIX se dissemina por todo o continente Latino-americano a idéia de que “a educação é a locomotiva do progresso” (SAVIANI, 1984: 10), assim continuando a ser durante todo o século XX, e sobretudo agora, na aurora do século XXI.

Os discursos de agora parecem reinventar entre nós aqueles das primeiras décadas século XX, que vinculavam educação e desenvolvimento e chegavam ao excesso de tratar os “desescolarizados” como doentes. Assim via o médico Miguel Couto:
[ignorância é] não somente uma doença, mas a pior de todas, porque a todas conduz; e quando se instala endemicamente, como na nossa terra, assume proporções de verdadeira calamidade pública. É ela que reduz nosso homem a meio homem, a um quarto de homem, e a nossa população à metade ou quarto da realidade; ela e só ela, é a responsável pelo relativo atraso de nossa Pátria, que não pode sofrer o confronto com as outras (in PAIVA, 1987, p. 28).
Não é à toa que se criou neste mesmo período o Ministério da Educação e Saúde. Efeitos de um exacerbado “entusiasmo pela educação” (Cf. PAIVA, 1987) e de uma visão sanitarista e higienista que via na educação (escolar) um instrumento de “limpeza”, para limpar a pobreza de seus vírus mortais: os vírus da ignorância. De lá até cá essa visão reservou para a educação apenas o ambiente escolar e apenas saiu do campo da medicina ou da higiene sanitarista, para entrar em outro, o da psicologia, como se pode ver no atual predomínio das pedagogias psi.

Mas embora estes discursos tenham sido renovados ultimamente, desde as primeiras décadas do século XX já havia quem deles desconfiasse, como Sérgio Buarque de Holanda, que na década de 1930 já advertia:
Cabe acrescentar que, mesmo independentemente desse ideal de cultura, a simples alfabetização em massa não constitui talvez um benefício sem par. Desacompanhada de outros elementos fundamentais da educação, que a completa, é comparável, em certos casos, a uma arma de fogo posta nas mãos de um cego (HOLANDA, 1995, p. 166).
Estamos de volta a este paradoxo. Por um lado educação tem sido reduzida a escola: escolarização, currículo, prédio escolar, professor, aluno... Não já é momento para pensar a educação em termos mais amplos? Já não é tempo de pensar a conexão entre educação e sociedade pautada em outros elementos?

Nossos discursos insistem em afirmar que estamos formando a cidadania consciente, crítica e participativa através da escola. Mas parece que as personalidades dos alunos, as suas identidades e subjetividades estão menos carregadas destas frases de efeito do que daquilo que circula na rua, na festa, no tape, no outdoor, na TV. Na verdade há um hipertexto social. A própria cidade é esse hipertexto, que vai dotando a educação das novas gerações de um caráter cada vez menos escolar. E junto com este hipertexto social há algo de perigoso que nos assusta cada vez mais, uma espécie de desgoverno com o qual não sabemos lidar; preferimos dar-lhe um outro nome: “barbárie social”.

As escolas se encarcerem ainda mais, suspendam recreios, aumentem suas grades, seus cadeados e também sua guarda. O debate se abre movido a desastres não muito distantes: em Salvador (BA), a morte de duas moças de classe média, em uma escola privada, assassinadas por um jovem colega; em Juazeiro (BA), um menino de 12 anos que invadiu uma escola pública, de um bairro periférico da cidade, e esfaqueou um colega de mais ou menos a mesma idade... E os exemplos vão se somando – sem contar os exemplos a nível nacional.

O debate que se abre culpabiliza mais ainda a escola e acrescenta-lhe novas demandas: formar valores, competências, habilidades e de atitudes; aprender a a apre4nder, a fazer, a ser e a conviver. Ou sugere um abandono do público e o encarceramento em condomínios fechados e instituições religiosas (cada vez mais fundamentalistas e intolerantes), com base na suposição de que tudo que está fora disso é o mau; Acirra-se o apelo moralista-coercitivo, solicitando a ampliação dos aparatos de vigília e punição, o cerceamento das liberdades, o aumento dos dispositivos proibitivos e a ampliação dos aparelhos militares e para-militares. Instala-se o Big Brother, o Grande Irmão que é o Grande Olho. Já foi o olho de Deus na Idade Média. O olho do estado na sociedade moderna. O olho da sociedade em seus múltiplos sistemas de conveniência que definem os códigos de pertencimento e as práticas de habitação. Hoje é tudo isso junto, com o suporte dos novos aparatos tecnológicos de vigília: micro-câmeras por tudo que é lugar. “Sorria, para sua segurança você está sendo filmado”. E o que sabem sobre minha segurança?

Na verdade o que está em jogo é, por um lado, uma falência da escola como dispositivo de governo. Foucault já expôs como as escolas foram produzidas similares às prisões e aos manicômios. Elas nasceram junto com os sistemas de vigília e punição, baseadas em esquemas panópticos (FOUCAULT, 1987). Seus tempos e espaços foram formatados para o disciplinamento e o controle dos corpos e a produção de novas condutas.

As relações de violência, que agem forçando, submetendo, quebrando, destruindo e fechando todas as possibilidades e deixando apenas pólo da passividade, como a experiência da palmatória e do castigo, foram substituídas pelas relações de poder disciplinar em que, ao contrário, o “outro” é reconhecido e mantido como o sujeito da ação, fazendo apenas com que se abram campos de respostas, de reações, de efeitos desejáveis, como funcionam, por exemplo, os dispositivos dos direitos e deveres, as faixas de trânsito na rua ou as listas amarelas dentro dos bancos: para produzir não só uma circularidade, mas um “discurso verdadeiro”, ordenador de práticas; para estabelecer uma governamentalidade (FOUCAULT, 1979). Ocorre que esta tecnologia de governo na escola já faliu há muito tempo. Tudo que se faz agora é tentar recuperá-la, renová-la, fazê-la funcionar novamente. Mas vivemos um tempo de desgovernamentalidade. O tempo do desgoverno. E é isso que nos assusta.

E este desgoverno liga-se ao fato de a escola já não ser mais a referência de formação; ao fato de a sociedade ter entrado em período em que, neste hipertexto contam primordialmente agora a cultura do consumo, a alienação, a erotização, a drogadição e a violência que são distribuídas nos espaços públicos, nos eventos de entretenimento, nas festas de inauguração, nas festividades oficiais, nos programas de TV, na programação das rádios AM e FM, nos barzinhos... Estes ambientes da liberação são ambientes da prática de um liberalismo que é, na verdade, o formato primordial de nossa democracia (a de mercado). E tudo então vira mercadoria. Inclusive a produção das subjetividades que são cada vez mais fabricadas dentro dos modos capitalísticos (GUATTARI & ROLNIK, 1996) de produção material e subjetiva, cujos braços estão estendidos até o campo da cultura, do consumo, da produção dos desejos, da elaboração das identidades e da satisfação dos prazeres.

Este ambiente é o de uma segunda colonização, que passa a dizer respeito à alma, pela distribuição e consumo de novas mercadorias que vendem a varejo os ectoplasmas de humanidade, “os amores e os medos romanceados, os fatos variados do coração e da alma” (MORIN, 1997: 14). Produtos que circulam no cinema e na TV, e se desdobram em outras mercadorias de uma extensa “Indústria Cultural” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985), virando brinquedos, discos, festas temáticas em escolas, out-doors, as mais-mais das rádios AM e FM, adereços, cadernos, borrachas, roupas, calçados e tatuagens (não apenas essas que vêm nos chicletes; todas porém, grudam em nossos corpos desejantes e mesmo nos procedimentos institucionais e oficiais). Este é o hipertexto, a exterioridade que dialoga com as subjetividades e as refaz.
É a relação da subjetividade com sua exterioridade – seja ela social, animal, vegetal, cósmica – que se encontra assim comprometida numa espécie de movimento geral de implosão e infantilização regressiva. A alteridade tende a perder toda aspereza. O turismo, por exemplo, se resume quase sempre a uma viagem sem sair do lugar, no seio das mesmas redundâncias de imagens e de comportamento (GUATTARI, 1990, p. 8).

Ambientes e hipertextos que produzem também as erosões no Eros e imensos campos de frustrações que, não raras às vezes, viram armas de guerra. O hipertexto não é somente “uma metáfora válida para todas as esferas da realidade em que significações estejam em jogo” – como quer Pierre LÉVY (1993), ou como quer também Manuel CASTELLS (1999), quando reduz demasiadamente esse hipertexto ao espectro das novas tecnologias da informação e da comunicação. Do ponto de vista da educação em sentido amplo, o hipertexto é a própria realidade social e suas esferas de significação. Mas quem está interessado em incluir isso na trama da educação das novas gerações e nas agendas das políticas educacionais e escolares e não-escolares?

Acho que é por isso que a escola deve ser repensada. Ela ainda é muito importante na preparação das novas gerações perante o saber formal, especialmente para os excluídos. É ainda um passaporte fundamental para qualquer proposta de inclusão social. Mas se por um lado a escola deve mudar para ser melhor, por outro, é urgente pensar que educação não é somente escola. As condutas das novas gerações já estão hipertextualizadas e multirreferencializadas. Liberalizadas, banalizadas, prostituídas...

Enquanto as práticas de governo tentam sua re-instituição na escola pelo uso de novos aparatos tecnológicos, o desgoverno já se instalou em várias esferas do convívio social, ajudado pelas posturas liberais e neo-liberais das políticas oficiais. Hoje vivemos na histerese da política, da sexualidade, da estética... Perdemos os referenciais, os parâmetros; entramos na era da transsexualidade, da transpolítica, da transestética, como nos sugere BAUDRILLARD (1990).... Entramos no momento da "pós-orgia". Pare este autor a orgia foi o momento explosiva modernidade: o da liberação em todos os domínios. E o que foi liberado passou para uma esfera de pura circulação infinita. Tudo liberado aí circulando, formando uma órbita, onde tudo fica fadado à comutação incessante, à indeterminação crescente, ao princípio de incerteza... E a pergunta é: e depois da orgia, o que faremos? Tentamos...

Tentamos ter certezas, para nos mantermos do lado do Bem. Este quer o claro, o explicado, o vigiado e o controlado, enfim a oficialidade branca, e em sua prática maniqueísta tende a criar novas zonas escuras de marginalidade e desgovernamentalidade. Por isso não parará de remessar sujeitos à opção do escuro, do inexplicado, do fugidio e do descontrolado. E é a isso que o Bem chamará de Mal – já que o Bem, que sempre está do lado do poder, se autoriza sempre a nomear, ou melhor, a adjetivar o Outro.

Esses são nossos dilemas. E tudo está aí para ser pensado novamente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.

BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do Mal: ensaio sobre fenômenos extremos. Campinas, SP: Papirus, 1990.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. – (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1). – São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CHARDIN, Pierre Teilhard de. O fenômeno humano. – São Paulo: Editora Cultrix, 2001.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes 1987.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. – Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo – 4ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

GUATTARI, Félix. As três ecologias – Campinas, SP: Papirus, 1990.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. – 26a ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 1995. (A primeira edição é de 1936).

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: necrose. 3ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. (O espírito do tempo II)

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. 9ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. (O espírito do tempo I)

MORIN, Edgar. O método iv: as idéias, a sua natureza, vida, habitat e organização. – Portugal: Edições Seuil: Biblioteca Universitária: publicações Europa-América, 1991.

NUNES, Antonieta D’Aguiar. A Tentativa de Universalização do Ensino Básico na Bahia com a Proclamação da República. In: Revista da FACED/Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, no 0 (out. 1994). Salvador: FACED/UFBA, 1994, p 91-105.

PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. – 5ª ed. – São Paulo: Edições Loyola, 1987.

SAVIANI, Dermeval. O lógico e o histórico nas análises de desenvolvimento e educação na América Latina. In: RAMA, German [et. al.]. Desenvolvimento e educação na América Latina – 2ª ed. – São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1984, p. 5-16.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Cidade Grande

a cidade está aqui, plantada em minha frente!
os carros em velocidade e ela parece parada
à primeira vista, são os móveis que se desviam
de suas pontudas esquinas...

ela cheira a borracha e gás carbônico
e eu atônito felizmente fluo entre seus descaminhos
seus fluxos de metal escorrem pelas vielas
em ruas largas, passarelas
mas nada minimiza o desamparo
sensação plantada entre tantos seus degraus

a cidade cresce para cima
mas se enraíza em seus subsolos
redes subterrâneas lhe irrigam
pelo holograma inexplicável dos seus condutores

aqui e ali desponta um tôco de concreto ou outro sintético
e brotam fluidos transnacionais de toda ordem
rugas e rusgas crescem entre os semáforos
utopias vermelhas enxovalhadas que portam luzes
e a sobra de uma sombra escura em forma de gravata

a cidade não é sua aparência paralítica
esta face dura que empata todos os trajetos
ela é sua imaterialidade animada
que se desvia dos carros e outros embustes
e abre buracos, e fende passagens
e faz todos andarem em sua velocidade

a cidade nos habita
mesmo se a gente a ela resiste
e quanto a isso é impossível retê-la em suas minúcias,
posto que ela excede-se a si mesma...

mas triste mesmo é que ela, em sua pressa
escondeu tão bem seu pôr-do-sol
por trás de seus arranha-céus.

enquanto suas nuvens negras
despertam a noite mais cedo
e a cidade alterna, então, os seus segredos
sobra ainda o segredo mais cruel:
- é que de tão perto que tornou-se o seu céu
quanto mais assim ele é tão seu
e quanto mais assim é menos céu!

(São Paulo, fim de tarde na Paulista em 13 de abril de 2007)

CONEXÕES

a vida anda assim encruzilhada
(não seria em cruz ilhada?)
fluxos rodopiando nos fios do cerebelo
ouriçando rimas, enzimas
nos derivando nas conexões
um dia ali, alegre,
outro além, nem tanto
sem exatas equações.
*
estamos todos nos compondo
uns aos outros
uns nos outros
umas para outras...
*
penumbra do dedo
quase apontando um rumo
é o seu nesta foto...
e as cores das flores
marcando o contorno do fato.
*

minhas palavras a esmo...
cá de longe, ermo do mundo
profundo seu beijo sem pitoca
na prancha do seu teclado
seu dedo quase me toca
*
e eu distraio ouriçando ondas
sendo tragado pelas janelas
excitando ainda estes perfil distantes
nas percepções acesas pela tela
*
o virtual nada mais me dá além disso
além desses ouriçamentos distantes.
e, derepente, eu quero mesmo é pêlos
e peles: concretas, acesas, arrepiadas, nuas
para nelas me enroscar de fato
enquanto espero a lua
*
conectar o corpo noutro corpo
plugar a boca noutra boca em chamas
trocar os fluxos por temperaturas
derramar os “áis” e “úis” na cama
encher de novo o copo de loucuras...
*
eis o que desejo
quanto mais me queimo
da fogueira dessa tela
*
e sigo quase ileso...
mas, melhor que isso, é tê-la sem frecuras!

*
*

domingo, 1 de abril de 2007

CARTA-RESPOSTA A ZÉ ALBERTO

Juazeiro, BA, 01 de abril de 2007

Sr. José Alberto,

Esta carta não é à ACCORD, nem à Radio Curaçá FM. É uma carta á pessoa José Alberto. Ela será tornada pública pela única razão de que o assunto assim já se tornou. E porque a sua carta também foi enviada para várias pessoas, como a minha antes também foi. Não terá sido a primeira vez na História que isso ocorreu, quando o assunto é de interesse público. Talvez seja este o único modo de fazer com que outras pessoas aprendam, em contato com nossos equívocos.

Hoje reli várias vezes a minha carta-resposta que enviei a vocês, procurando encontrar os pontos em que eu poderia estar provocando a sua ira, afinal, é de ira e de arrivismo pessoal de que se trata a sua resposta. A começar pelo título que você utiliza (“OS EQUÍVOCOS DE PINZOH – Considerações sobre a Carta-Resposta grosseira e mentirosa do Professor”), sua carta é, em si, um discurso inteiro, que não precisaria de mais uma só palavra para dizer o que diz. Desde aí a minha carta a vocês é, a um só tempo, equivocada, grosseira e mentirosa.

Pelo visto sua resposta não se limita a uma resposta à minha carta-resposta, porque duvido que qualquer leitor encontre nela os atributos que você questiona. E espero que esta sua resposta não esteja permeada de resquícios de atritos que já tivemos, eu e você, em tempos passados, por conta de sua agressividade desferida contra uma pessoa que eu estimo muito, que não mora mais em Curaçá, mas que outras pessoas da ACCORD sabem bem de quem se trata.

Nesse sentido entendo que não há atritos entre mim e a ACCORD, ou entre esta e o INOVE (instituição que presido), mas esta celeuma parece que é entre nós dois. A sua carta não é da instituição ACCORD, mas sua. Os argumentos não são da ACCORD, mas seus. O teor dos sentimentos nos quais destilou suas palavras, não é da ACCORD, mas seu. E, nesse sentido, você usou como método de análise da minha carta (que duvido que tenha sido discutida em assembléia; como duvido que esta resposta seja do coletivo da ACCORD) os mesmos instrumentos que diz estar questionando em meu posicionamento. Se minha carta foi grosseira, espero que os leitores possam comparar as duas para inferir em qual delas há uma dose maior de grosseria. Em sua carta não sou apenas qualificado de equivocado, grosseiro e mentiroso, mas de nefasto (atribuição direta), narcisista, oportunista e leviano (atribuição indireta). Ou seja, você questiona a grosseria utilizando-se como recurso a própria grosseria; questiona a leviandade utilizando-se como recurso a própria leviandade.

Você expõe, de forma descontextualizada, a minha entrada precipitada na reunião da ACCORD da qual participei, e onde realmente entrei pela janela. Não vou pedir perdão por isso, mas seria bom que o leitor soubesse de que espaço se trata, de que janela se trata. Coloque uma foto dessa janela. Diga que é uma espécie de janela quase-porta, onde, naquele mesmo dia e em outros, algumas pessoas têm por hábito sentar nelas, e entrar e sair através delas, por estarem a meio metro do piso. Dê pelo menos algum elemento de contexto. Isso também se chama honestidade. Você poderia também lembrar porque eu fui parar naquela reunião sem ser convidado. Diga, por exemplo, que algumas pessoas do INOVE são também membros da ACCORD; por exemplo, a secretária da ACCORD é vice-presidente do INOVE. E além dela há outros membros comuns: Jane, Zé Íris, Dione, e alguns outros.

Naquele dia fui a Curaçá porque haveria uma reunião da frente de partidos que estavam discutindo como prover os cargos do Estado no âmbito do município, pela manhã, e pela tarde haveria uma reunião do INOVE. E aquele mesmo espaço utilizado pela ACCORD (no qual entrei pela janela) é também utilizado por outras instituições e grupos para suas reuniões. Algumas vezes ele serve às discussões partidárias, e já nos serviu várias vezes para reuniões do INOVE.

Em muitos desses espaços, agrupamentos e instituições, as pessoas são as mesmas. Portanto, aquela reunião poderia ser de qualquer um desses coletivos e, de fato, eu não sabia que era da ACCORD, senão não teria entrado, nem pela janela, nem pela porta, porque aprendi a respeitar espaços institucionais. Somente me dei conta de que tipo de reunião se tratava quando algumas pessoas, que são ao mesmo tempo membros do INOVE, do partido e da ACCORD, me informaram. Portanto, fui parar naquela reunião porque as primeiras pessoas que avistei ali eram comuns ou ao INOVE ou ao partido, ou à frente de partidos à qual já me referi.

A condição de “penetra”, como você qualifica, é apropriada sim, mas não sem contexto. Você sabe disso, mas joga de uma forma que nega ao leitor informações que poderiam fazê-lo encarar as coisas de outra maneira, afinal você mesmo participa de muitos espaços comuns, e participa dessas outras reuniões; aliás, você também faz parte do mesmo partido que eu. Mas você nega tais dados ao leitor, privando-o de informações que o ajudariam a elaborar de outra forma uma opinião sobre o ocorrido. Além disso, não achei que em um espaço em que há tantas pessoas em comum, sobretudo com estreitos laços afetivos, a minha presença, pela janela ou não, seria encarada com tanta reatividade. Só não sei se esta reatividade tem justificativas institucionais, ou é meramente pessoal. Quanto à privação de informações contextuais ao leitor, a pergunta que me resta é: em que esse procedimento se diferencia da leviandade? Pois é contra esse formato de comunicação e de informação invertida que luto.

Mas não falta ao leitor apenas o contexto específico sobre a minha entrada pela janela, em termos literais, na reunião da ACCORD; faltam-lhe também informações sobre o uso metafórico do “entrar pela janela”, atribuído a mim. Nesse caso, certamente é importante dizer que em minha vida “entrar pela janela” nunca foi o meu forte. Exceto o tempo em que trabalhei na roça e no posto de gasolina Asa Branca, ou na UNIMED, em Juazeiro (como vendedor de planos de saúde), e depois na Papelaria Emanuela, todos os meus outros trabalhos foram com ingresso através de concurso público. E, recentemente, em casos de consultoria e assessoria, foi por mérito, mesmo nos casos em que houve a indicação de algum político, como foi o caso a Assessoria à Prefeitura de Juazeiro, no governo passado, e agora, quando fui nomeado para a Diretoria de Currículos Especiais, da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Nem nesses casos o “entrar pela janela” é legítimo quando a mim é dirigido. Claro que as pessoas que não são de Curaçá – e que vão ler sua resposta – podem não me conhecer. Mas as que me conhecem devem saber disso, inclusive você mesmo. Está aí uma carapuça que não me cabe! Em relação a entrar pela janela, eu não sei se isso se aplicaria mais a mim ou a você.

Esse ponto é importante porque parece que estou clamando por um espaço na Rádio Curaçá FM. Achei que o convite me havia sido feito por razão de alguma qualidade que eu possuía. Mas vejo que sua carta me destituiu, no seu conceito particular, de todo e qualquer valor, como profissional e como cidadão. Pior será se a ACCORD concordar com isso. Ainda bem que minha dignidade não depende de seu ódio destilado! Se a ACCORD acha importante que eu contribua com a rádio, o farei de bom grado, e darei minha contribuição como já fiz a faço em Curaçá, em muitos outros momentos, e em diversas situações, porque Curaçá, a rádio e a ACCORD não podem ser reduzidas a essas pendengas pessoais que você quer sustentar. Não quero gastar minha energia com isso, porque tenho muito que fazer. Entre as minhas contribuições a Curaçá, me orgulho de ter sido um dos autores da Proposta Político Pedagógica que, embora institucionalmente desvalorizada no âmbito da administração municipal, pôde mobilizar um certo orgulho em muitas pessoas do município e, além disso, animou em outras relações institucionais, a valorização do município e da própria gestão municipal.

Você, embora diga que minha carta foi mentirosa, esqueceu de apontar as mentiras que constam nela. Em minha carta o leitor não vai encontrar uma só palavra afirmando que há uma “posição da emissora em não querer inovar”. O que nela consta é um trecho entre aspas atribuído a você: “não podemos começar as coisas já inovando”. Essa voz é sua, e não da rádio ou da ACCORD. E eu poderia dizer que as outras pessoas presentes na reunião poderiam testemunhar se essa passagem é uma mentira minha ou não. Mas acho bastante dizer que você mesmo a confirma em um trecho de sua carta: “Para inovar, e a História mostra isso em momentos diferentes da evolução do pensamento, é necessário, antes de qualquer premissa, conhecer-se e conhecer a realidade. Sem esse conhecimento inventaríamos talvez uma caricatura de rádio, que quer inovar, mas não tem o rumo certo para dar os passos seguros”. Sua carta confirma seu pensamento. E é em relação a ele que estou em desacordo; não é contra você. Não se trata de lhe difamar (recurso que você utiliza fartamente em sua carta). Trata-se de um posicionamento diferenciado do seu, que coloquei na minha carta e não vou repeti-lo aqui porque as pessoas podem muito bem lê-la na íntegra, na página eletrônica da Radio Curaçá FM.

Em relação a outros pontos de sua carta você desconsidera que o que questiono não é nem a rádio, nem a ACCORD, nem você, em particular. No programa “O Programador é Você” (do qual participei a convite de sua titular, a professora Jucélia, secretária da ACCORD e vice-presidente do INOVE), o que eu disse foi que tenho uma visão diferenciada em relação à redundante afirmação de que “tem que tocar o que o povo gosta”. É verdade que esta afirmação foi reiterada na reunião por um dos participantes e eu me referi a isso; mas não disse que este é o pensamento da emissora – e, apenas se assim eu o tivesse procedido, você poderia afirmar que me referi a ele de forma equivocada.

Na minha carta, Sr. Zé Alberto, caso você minimize a sua ira e a leia de forma mais cautelosa, vai encontrar uma discussão razoável sobre esse aspecto do tratamento dado ao “gosto popular”. Na minha precária visão, acho que o “gosto do povo” não cai do céu, puro como chuva, pois nem a chuva já não cai tão pura assim do céu. Essa discussão não é uma afronta a você: é um posicionamento conceitual, é uma visão de mundo, que você aceita ou não, mas não pode desconsiderá-lo nem tampouco arrolar isso como uma de leviandade desferida contra você ou contra a rádio. Releia a carta. Eu sei que você tem capacidade interpretativa suficiente para fazer outra leitura do que eu disse.

Em sua carta você ainda diz que “algumas entidades não se interessaram em veicular programas, inclusive o instituto que Pinzoh preside”. Sobre isso confirmo que o INOVE já foi convidado para apresentar alguma coisa à/na radio. Isso já foi assunto de algumas reuniões. E só não o fizemos ainda porque não temos recursos para custear tal atividade, nem temos interesse em sustentar isso de forma meramente voluntária. Essa não é uma decisão minha. Eu não mando no INOVE. Aliás, há outras pessoas tão do INOVE quanto da ACCORD com programas na radio. O que não tivemos ainda foi a condição de propor algo de forma institucional. Não se trata de falta de interesse. E do ponto de vista da participação individual de cada um, não temos nada a arbitrar.

Você ainda se refere a “entidades se valem de dinheiro público para financiamento de seus projetos”. Pareceu-me que você tentou agregar a essas instituições alguma qualidade pejorativa. Esclareço que o INOVE é uma dessas instituições. E, se não sabe, há formas lícitas de participar desses recursos públicos, sem depender de esquemas suspeitos de ações de políticos, na construção de emendas parlamentares ao orçamento, por exemplo. Atualmente o INOVE recebeu R$ 10.000,00 (dez mil reais) do Programa BNB Cultural, para realizar um filme crítico sobre “fuleragem”, que temos prazo até junho para concluí-lo e prestar contas. Para isso construímos um projeto e participamos de um edital público e fomos selecionados. Essa me parece uma forma lícita de participar de recursos públicos. Se você não sabe, foi através de procedimentos parecidos que conseguimos recursos para alguns projetos em Curaçá, durante a gestão de seu irmão. Foi com recursos advindos de projetos aprovados em seleções similares que pudemos construir não apenas a proposta pedagógica do município, mas ainda dar formação aos professores da rede municipal, realizar encontros nas comunidades e publicar vários livros para o município. Se informe sobre isso porque a própria ACCORD pode participar desses editais e seleções de forma lícita, e ter recursos para custear suas atividades. Não há mal nenhum nisso!

Vou deixar por conta do leitor a avaliação sobre os nossos teores de agressividade, falsidade e arrogância. Seria bom ainda que você mesmo avaliasse, diante da crônica “Reflexão Sobre os Otários”, se não se enquadra em algumas das qualidades lá mencionadas.

Por último, achei uma coisa curiosa o fato de a informação sobre sua resposta ter me chegado justo hoje, dia primeiro de abril, dia da mentira. Se à mentira foi concedida um dia, há algo de legítimo nela. Poderíamos arrolar que a mentira é uma condição unicamente humana; participa das convenções sociais, das regras de etiqueta, da vida pública, da política. Mentimos, sobretudo, para nós mesmos – talvez a pior das mentiras. Mas nenhum de nós está isento dessa condição, por algum artifício de razão. E aquilo que chamo de ética tem a ver com o esforço de evitarmos constituir nossas vidas sobre a mentira e a agressão. Eu teria ficado preocupado comigo mesmo, caso você tivesse me desmentido em sua carta ou feito algum gesto contrário ao que questiona. O que você fez foi se expor e expor as suas qualidades, tanto quanto eu o fiz, para o bem e para o mal. E, com estas duas cartas, estamos distantes de decidir, entre nós dois, quem é a pior das espécies.

Continuarei esperando uma resposta da ACCORD sobre se aceita a minha condição de cronista, dentro do viés por mim proposto, pois sua carta não responde a isso. De todo modo, não tenho interesse na continuidade dessa pendenga com Zé Alberto, tampouco me furtarei a responder se for necessário.

Solicito que você a publique no portal da Radio Curaçá FM, no mesmo endereço onde consta sua resposta (http://www.curacafm.org.br/curacafm?curacafm=noticias&id=21). Da minha parte ela estará disponível no meu blog pessoal (http://blogdopinzoh.blogspot.com/), onde será postada ainda hoje, e onde há a minha primeira Carta-Resposta.

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
Professor