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terça-feira, 26 de julho de 2011

ATINGINDO O NIRVANA

Sempre acho que sou um remanescente curioso da geração beat, da geração hippie, rock and roll, irmão de dor e de sonho desses loucos, cabeludos, tatuados, que gritam contra um peso de viver que nem sabem como explicar senão se jogando com tanta força na vida, em todas as viagens, que tão rápido a consomem, e passam rápido, cometas que vão embora sem sequer umazinha despedida. E tão curioso é este meu vínculo com tais gerações, que me arrepio quando os vejo em vídeos velhos, de um tempo que eu nem alcancei, e que me entristeço e até choro, quando outros remanescentes, contemporâneos meus, cedo também partem. Elis Regina, Cazuza, Cássia Eller, Renato Russo, Amy Winehouse...

Tenho a impressão que sou quase-irmão de Jimi Hendrix, de Jenis Joplin e de todos aqueles cabeludos de Woodstock. Sou menos parente de Jim Morrison e Kurt Cobain, porque nos embarramos menos, além das vezes em que eles vieram numa estampa de camisa de algum outro cabeludo. Ouvi bem menos The Doors e Nirvana. Aprendi cedo um outro mantra: “tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo” (Walter Franco). Assumo o parentesco e a minha caretice em não querer gastar a vida tão rapidamente. E tão careta sou que nem sei se tomaria banho de lama em Woodstock, ou se compartilharia a heroína, o LSD. Só não morri drogado aos 27 porque precisava trabalhar. Alienado, eu! A minha caretice consiste nisto: em evitar que a mente se desgarre do corpo e o deixe por aí, jogado, caído em alguma calçada, enquanto o espírito flana na quarta dimensão.

Mas não condeno os que ousam isso. A cada um de nós, o ônus de nossos experimentos. Em alguns casos sei que o problema não são os experimentos: é o fato de que as pessoas não saberem o que procuram, ou talvez procurem um hiper-gozo, prometido sempre, mas jamais alcançado, a não ser na morte, o Nirvana. Sei que morreram tentando suportar a insustentável leveza do ser, buscando, talvez, o Corpo Sem Órgão, a Intensidade Zero. Eu os saúdo a todos, inclusive à Amy, por suas tentativas! E vou devagar, ao som das belezas que deixaram, nas vezes em que foram belos!

domingo, 24 de julho de 2011

LIQUIDAÇÃO DE INVERNO

Aceito a sugestão de Elisabet Goçalves Moreira, em sua "Poesia de Domingo" e posto aqui a sua sugestão de hoje: LIQUIDAÇÃO DE INVERNO de Carlos Drummond de Andrade.

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LIQUIDAÇÃO DE INVERNO


Carlos Drummond de Andrade


Olha o ajuntamento na calçada,
o bolo humano denso, silencioso,
a paralisia coletiva...
Que foi que aconteceu?
Crime, suicídio, bomba, um novo deus?
Calma, não te assustes.
Precisas acostumar-te com a cidade
e seus ritos pendulares.
Não viste nos jornais aquele grito
e nas vitrinas as vermelhas tiras
anunciando em voz e cifra
Liquidação
Liquidação?

Agora vejo que esse grupo
indecifrado logo se esclarece.
Homem nenhum, ou quase. Só mulheres,
pois só mulheres sabem quando é hora
de (formigas) comprar para guardar.

A porta está fechada? Mas no aquário
de lãs tricôs camurças couros
quatro consumidoras são servidas,
outras quatro, cá fora, esperam vez.
Esperar resignado
de quem sabe que tudo anda difícil
e até os ossos do festim ,
têm que ser disputados como pérolas.

Outras quatro mais quatro vão entrando
no longo dia lento, frio.
O casaco de acrílico de 1000
961 por 900
e 84, uma pechincha. A calça jeans
para menina, a camisola, a jardineira,
meu Deus, o casacão, o plush,
tudo ficou barato de repente
ou dá a ilusão de ser barato,
convida, chama, intima:
Me compra rapidinho, enquanto o inverno
faz que vai mas não vai, e está gelado
o corpo, o quarto, o amor e tudo mais.

Liquidação, palavra mágica,
seu fundo de negrume e seu clarão.
Liquida-se um império,
uma política, um chefe, uma doutrina,
e nas vazias prateleiras outras formas
se acumulam, aguardam
o tempo de murchar, o desapreço
do preço baixo, a remarcada
voga da estação, como se tudo
durasse um quarto de ano: juramentos,
códigos, angústias, braceletes,
sandálias, planos...
E dura, e dura mais?

...e seu clarão.
Liquidadas as modas sazonais,
restaura-se a esperança na vitrina.
O jogo do futuro nos cativa.
A primavera, juro, vai trazer
o inolvidável prêmio de existir.
Seremos todos jovens. Ninguém mais
se lançará da ponte, ou traficâncias
fará contra a sorte dos humildes.
Todos serão humildes, na alegria
de um tempo verdejante...

Calma, não sonhes tanto.
Liquidação é apenas
porta deixando passar
compradores de saldos.
Se queres o brinquedo
de jogar com palavras, preferível
esta, que te dou entre dois goles
de papo vespertino: liquidâmbar.
Gostaste? Seu olor resinoso
o nariz te penetra e reconforta
a poluída garganta? Esquece, esquece
as liquidações que não liquidam
a carga de injustiça e desamor
pairante sobre a vida,
seja inverno ou verão, outono ou primavera.

(Carlos Drummond de Andrade (31 de Outubro de 1902 — 17 de Agosto de 1987), in Amar se Aprende Amando, 22ª edição, Editora Record, 1999, pp. 166-168).

quinta-feira, 7 de julho de 2011

sexta-feira, 1 de julho de 2011

cobras andam rente ao chão

ouvem pelas arcadas das presas

e são como tiras ocas

os peixes não.

vão contra a correnteza

mas morrem ainda pela boca