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domingo, 20 de maio de 2007

O ZECA É MESMO BALEIRO!


Josemar da Silva Martins
Professor da UNEB/DCH III
Doutor em Educação

19 de maio de 2007. Iate Clube, Petrolina, Pernambuco. Show do Zeca Baleiro. No início, aquela expectativa, e aquela angústia por ver ali, do lado de fora, enquanto a fila andava, aqueles pitboys com seus carrões e seus porta-malas cheios de porcaria. Aliás, ali também encontrei alguém que se pergunta, como eu: porque quem gosta de música ruim (e há, sim, música ruim!) só consegue ouvir em último volume? Um tipo de exibicionismo simplesmente irritante. Esse culto do fuleiro como signo de valor.

Lá dentro, uma boa surpresa: ao contrário do que faz o Country Club, em Juazeiro, no show dos Paralamas do Sucesso, as mesas vendidas não tomaram totalmente a frente do palco e permitiram àqueles que compraram ingressos avulsos, compartilharem pelo menos um pouco o espaço do palco. Isso merece uma menção de razoável inteligência no planejamento espacial do show à equipe do Perna Longa.

Mas a graça mesmo veio do próprio show. Não apenas o tom rock in roll balançou a galera (essa palavra anda meio gasta, pelo uso abusivo que o Axé Music faz dela), mas a comunicação do Zeca com a platéia foi um diferencial. Em geral os artistas de renome que vem aqui, meramente dão “boa noite”, trocam o nome da cidade e dizem “obrigado, tchau!” no final. Engenheiros do Havaii, no Casarão, eu acho que nem isso pronunciou. E até Djavan economizou palavras nas duas vezes em que veio aqui. Certamente esses artistas não sabem como isso fornece um diferencial em termos de presença, de interação, para uma região já vapirizada pelas porcarias que se disseminam por aqui em todos os espaços, e que vive carente desses contatos. Com o Zeca foi diferente! Ele estabeleceu um contato alegre, descontraído! Segurou a onda quando a luz faltou por duas vezes (e poderia muito bem ter aproveitado para sair fora, pelo menos na segunda vez). Mas o público também segurou a onda, sem confusão, sem invasão de palco. Eu achei um puta show!

Mas há uma parte que considero particularmente significativa: não apenas os vários momentos de conversa, mas o momento em que Zeca Baleiro expressou sua opinião sobre o “fechamento” da indústria cultural em torno de estéticas como a do forró eletrônico, do axé e do pagode-bobagem, os três ícones da cultura da fuleragem. Sua defesa de uma abertura para a pluralidade cultural é algo que me soa corajosa – afinal, parece haver um pacto de silêncio em relação a isso, contra o qual nem nomes como Caetano Veloso parece disposto a pronunciar-se!

É uma pena que não pude entrevistá-lo, pois seria de muita importância seu depoimento em nosso vídeo “O Estado da Arte da Fuleragem” que o INOVE/UNEB está fazendo com apoio do BNB. De qualquer forma, há aqui outra constatação a ser feita: está cada vez mais claro que há público suficiente (mesmo aceitando os fuleiros entre esse público) para custear a vinda de outros nomes e outras estéticas da música brasileira para a região do São Francisco. Espero que os produtores de Juazeiro e Petrolina se dêem conta da asfixia que a mesmice do “forró putaria”, do “axé bobagem” e do “pagode fuleragem” estão nos ocasionando! Puta que pariu!

segunda-feira, 7 de maio de 2007

O BRADESCO, O BRASIL E NÓS


Josemar da Silva Martins
Professor da UNEB no DCH III

Suponho que no Brasil já se tornou uma de suas qualidades o fato de todos nós falarmos mal dele. Uma mania paradoxal, porque no momento seguinte a gente inventa uma piada em que um brasileiro raquítico ganhou algum campeonato estapafúrdio (de peido, por exemplo), confrontando com um adversário forte, seja ele um português, um japonês ou um americano. Nessas anedotas o brasileiro sempre sai vencendo, como se a gente quisesse inverter alguma dizibilidade maldita que pesa sobre nós.

Mas no geral todos nós falamos mal do Brasil. E falamos mal de seus políticos. Mas isso não de forma incondicional. Atualmente, por exemplo, como quem está no poder não é legítimo representante das classes dominantes, essas classes falam mal de qualquer jeito. E olhe que isso é expressão de enorme ingratidão, tendo em vista que os ricos deste país têm ganhado muito dinheiro nos governos de Lula 1 e 2. Tanto que sequer podem acusá-lo de que faz assistencialismo para os pobres. Perto do que os ricos têm embolsado, o que é dedicado aos pobres é absolutamente irrisório.

Suponho que os donos do Bradesco sejam deste tipo de gente que fala mal do governo, mas, olhando os números suponho que pelo menos os senhores Amador Aguiar (dono-fundador) e Márcio Artur Laurelli Cypriano (diretor-presidente) não tenham nenhum motivo para isso. Aliás, pelas somas de lucros, o exemplo seria até um bom exemplo para um país que, como todos dizem a uma boca só, “precisa crescer no mínimo 5 % ao ano!”

A cada ano o Bradesco bate recordes de lucro e crescimento. No dia 09 de maio de 2005 a Folha Online anunciava que lucro do Bradesco (de 1,205 bilhão no primeiro trimestre de 2005) superara o do Itaú (de 1,141 bilhão). Seguindo essa tendência o Bradesco fechou o ano de 2005 com lucro líquido recorde de R$ 5,514 bilhões, resultado 80,2 % superior ao do ano anterior (em 2004 o lucro fora de R$ 3,06 bilhões). Esse lucro em 2005 foi tido como o maior da história entre os bancos de capital aberto de toda a América Latina.

Mas as coisas não param por aí, pois é pra frente que se anda! Em 2006, no primeiro trimestre, o lucro do banco foi de 1,53 bilhão de reais e fechou o ano com um lucro líquido de R$ 5,054 bilhões. Deveras houve em 2006 uma queda nos lucros da ordem de 8,3 % em relação aos resultados de 2005 (R$ 5,514 bilhões); mas é importante lembrar que essa queda deveu-se a amortizações de ágios referentes a aquisições realizadas pelo banco e contabilizadas no balanço de 2006. Ou seja, o Bradesco lucrou menos em 2006 porque investiu em importantes aquisições, para se confirmar como o maior banco brasileiro.

Agora nos chegam informações de que o lucro líquido do banco no primeiro trimestre de 2007 teve um aumento de 11,4 % em relação ao mesmo período do ano passado. O resultado foi positivo em R$ 1,705 bilhão de reais, ante o lucro de R$ 1,53 bilhão de reais em 2006 (e lembremos que os lucros de 2005 foi de “apenas” R$ 1,205 bilhão para o mesmo período). É um exemplo e tanto! “O Brasil deveria se mirar nele” – diriam alguns!

Eu, por minha vez, que sou cliente do Bradesco de forma forçada – pois sou funcionário do Estado da Bahia desde de 1991 e fui “vendido” como cliente ao Bradesco, juntamente com os ativos do antigo BANEB – não posso pensar igual aos que acham que o Bradesco é um exemplo. Primeiramente deve haver algum erro no fato de termos sidos todos “vendidos” ao Bradesco quando este comprou o BANEB. Na verdade o Bradesco acabou sendo o “banco oficial” da Bahia, afinal que espécie de coisa haveria para que um Estado como o da Bahia force seus funcionários a serem clientes de um único banco. Esse não seria um assunto para ser enquadrado em leis de licitações – afinal, é uma prestação de serviço, que implica na geração de lucros para a empresa prestadora? Que tipo de acordo haveria legalmente para nos mantermos escravos de um mesmo senhor? Isso é algo que me cutuca.

O outro mal-estar é o fato de o Bradesco acumular concomitantemente os títulos de maior banco brasileiro e de pior banco brasileiro. Evidentemente a propaganda só fala nos dados positivos. O que não se diz é que o Bradesco cresce e lucra cada vez mais à custa do sacrifício de seus clientes, à custa da má qualidade dos seus serviços, equipamentos, etc. Desde algum tempo tenho me habituado a ir ao banco disposto a reclamar dos seus péssimos serviços. Em geral os funcionários dizem que não é culpa deles. Dão um 0800 para você ligar e reclamar; Você vai e faz isso, pedem a você para anotar um número de protocolo e nada acontece. Há anos vou aos caixas de auto-atendimento do Bradesco e não houve uma só vez em que não houvesse uma máquina quebrada, uma fila grande...

Eu até já adotei um slogan para o banco: “QuebraBradescompleto: colocando você sempre diante de uma máquina quebrada, uma fila enorme, um aborrecimento qualquer”. Acho que esse não deveria ser exemplo algum para o Brasil seguir. Além desta lógica de seguir lucrando à custa da miséria e do sofrimento, é a mesma lógica de sempre. Não merece nenhum crédito, pois crescer e ganhar dinheiro, ao invés de ser um meio para melhorar a vida das pessoas, virou finalidade única e exclusiva. A despeito do dinheiro que estas instituições gastam com a propaganda de que cumprem com sua “responsabilidade social”, desconfio que esse é o emblema que mascara o “não to nem aí pra isso”!. Responsabilidade social é tratar bem as pessoas, e poderia começar pelos clientes que fazem os estrondosos lucros do banco.

Mas banco não tem alma e não adianta reclamar, falar com alguém ou ligar no 0800. Eu, por minha vez, adotei outra estratégia. Todas as vezes em que me deparo com esta situação eu pego um daqueles envelopes para depósito, que têm uma borda adesiva, e colo na tela da máquina quebrada com a seguinte anotação: “esse banco é uma bosta”. E fico aliviado!

domingo, 6 de maio de 2007

INTENSOS ENCONTROS IMAGINÁRIOS

Eu poderia até fechar os olhos
Mas é como se só o toque
Jamais fosse suficiente
Para crer na geografia do seu corpo

Imagino os dedos correndo sobre a pele
Os olhos dançando sobre as formas
O nariz farejando cheiros
Que a boca pede prova

Não há momento mais intenso – penso!
Quando os olhos encontram os seus
Enquanto os dedos exploram seus relevos

Ou quando outras carícias
Produzem tamanhas cumplicidades
Que umedecem as bocas e seus segredos

O OUTRO DE HOJE

Hoje meus eus, são tão outros
Que os desconheço...

Às vezes peço um tempo
Às vezes não há tempo
Pra objetar qualquer pedido

E ainda assim, de atrevido
Eu deixo que um deles
Aquele que mais de mim se esquece
Que assuma o rumo do dia
E nele projete a noite

Hoje, o outro que instalou-se
Como se pouco não fosse
Quer que eu te diga tudo

Que eu te informe
Que eu te avise
Que, embora eu não precise,
O adorno mais bonito
Que a noite pode me dar
Seja seu corpo estendido
No lastro desse meu outro
Enquanto a noite durar

Refrões Refrescos

e quando a noite for menina feita
molhar tua boca de refrões refrescos
frases sem verdades, só sonoridades
chiados excitados nos ouvidos

quando a noite for menina feita
mirar o céu de frente, na horizontal
imaginar tudo de ponta cabeça
quando o céu já é abismo, e nada mal.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

O que eu vi em “Ó paí, Ó!”

Josemar da Silva Martins
Doutor em Educação
Professor da UNEB no DCH III


Fui ver o filme “Ó paí, Ó!” (Monique Gardenberg, Brasil, 2007) já alimentado por alguns comentários que havia ouvido sobre o mesmo, e que o enquadravam como uma obra meramente comercial, uma espécie de longo comercial para vender uma Bahia há muito vampirizada pela indústria do Axé Music, ou uma espécie de palco para desfile gratuito deste filão de arte comercial.

Mas – ainda bem! – me deparei com outra coisa. Ali sempre está presente, por trás (ou ao lado) de uma suposta alegria baiana (ou soteropolitana, afinal, o Brasil continua achando que a Bahia é apenas Salvador) uma insistente sombra, um tipo de luto que não deve ser confundido com mera alegoria cinematográfica.

Na verdade, por trás de toda a ginga, o que há é a sutil denúncia de nossa frágil felicidade! Gente que mora mal, come mal, dorme mal, e sonha mal com uma vida que é mera utopia caolha, no fim do horizonte ondulado do Pelô, sempre esticado e renovado ao término de cada desastre de dia, emulado como forma de paraíso.

Não se trata apenas de uma diversidade para ser festejada. Diversidade há em todo lugar; entre-lugares risonhos-e-tristes, são atributos da vida, não apenas na Bahia. Eu prefiro achar que o filme ajuda a desmascarar a fantasia de paraíso tropical e seus recursos de malandragem, diversos da versão carioca. Malandragem já se iniciando na infância risonha e trágica dos meninos que enganam a mãe, e cometem pequenos e humanizados delitos.

Ali, ainda, é o teatro de nossa santa enganação de todo santo dia! O fetiche em relação ao turista gringo (que pode cagar e mijar onde bem entender, que continuará a ser tratado como Totem); o sonho de uma vidinha medíocre na Europa, dando o rabo e limpando banheiro, para voltar cantando vantagem de vida de princesa; pé-rapado que fala inglês – mesmo que não tenha dinheiro para o acarajé ou o camarote; o comerciante respeitado e moralista que banca o trabalho de extermínio de menores; o policial bem relacionado que faz (com muita eficiência) o trabalho sujo de “limpeza. Os xingamentos como forma de dissimulação, quando não se tem o que dizer (“vá tomar no cú!”), expediente que os taxistas usam a torto e direito.

Claro que a gente ri durante todo o filme e se engasga com o seu final. Há os que, acostumados aos roteiros lineares dos enlatados americanos, dizem: “só não gostei do final!”. Pois o final é quando aquela sombra de luto, que acompanha o filme desde suas primeiras imagens, ganha forma e entala nossa gargalhada!

Não consigo vê-lo sem lembrar que, no Brasil, ficamos inventando formas autênticas, heróicas e nobres, para encobrir o fato de sermos todos filhos da puta! Como disse Contardo Calligaris, essa “ausência de pai”, com a qual até a Antropofagia vira mera forma de dissimulação de nossa origem caótica e sem nobreza, que não consegue disfarçar nem o fato de que foi o bispo (a empresa colonizadora) quem comeu os índios, e não o contrário!

Ele me fez lembrar que o brasileiro vive inventando piadas em que o mais fodido (ele próprio) é quem vence no final (independente de o adversário ser português, japonês ou americano). Vive inventando expressões sem sentido: “Deus é Brasileiro”; “Terra do futebol” – enquanto a qualidade de nossos estádios não sustenta nem a reivindicação para sediar uma Copa do Mundo. E nessa linha tudo acaba sendo transformado em “orgulho nacional”, até a corrupção!

Além dessa forma de enganação, há no filme traços de nossa cordialidade patrimonialista – na forma apresentada por Sérgio Buarque de Hollanda – transformada em regra de convívio ordinário. Ali, não há o que festejar, mas o que refletir – e, talvez, seja este o convite do desfecho do filme! Há algo de curioso nessa nossa alegria da miséria, não porque não teríamos o direito ao riso, mas porque isso disfarça bem essa sombra de luto que acompanha nossa gargalhada. Nem o carnaval de Salvador – essa forma já falida de opressão risonha, como sugere Sérgio Bianchi, em Cronicamente Inviável! – não consegue mais disfarçar sua lógica de apartheid e sua expansão meramente mercantil, que já vampirizou a cidade e sua programação.

Curiosamente eu não achei estereótipos no filme, nem nos sotaques, que me pareceram coerentemente bastante diversos. Apenas uma coisa me soou postiço: a pronúncia do “ó paí, ó”. É como se ele devesse ser pronunciado apenas em momentos estratégicos, para demarcar alguma forma de desastre.

Gostei do filme por ter encontrado nele estas propriedades. Parece que ele me disse, em seu final: “Ta rindo de quê, sarará?” Mas parece que é algo que ele tentava me dizer desde o início, mas eu continuava encantado com a festividade da diversidade alegre e maledicente do Pelô, como se sua mensagem fosse apenas esta!

Salvador que se repense! Eu, por exemplo, não consigo esquecer de que o “ó, paí, ó!”, ou o “colé?” (abreviação para a expressão qual é?), ou ainda o “aonde?”, tomados como formas autênticas de criação lingüística, não conseguem disfarçar nossos índices de analfabetismo e o fato de Salvador ser uma das capitais brasileiras onde mais se usa mal a Língua Portuguesa. Do mesmo modo não consigo esquecer (por mais que o filme me faça rir) que muita gente não fez opção por morar mal, comer mal, dormir mal e sonhar mal. Não se trata de opção de vida, poeticamente pensada. Trata-se de processos de exclusão, dentro dos quais se estruturam formas de vida e comunhão criativas e irônicas– ainda bem!

Sobre os benefícios de nossa desordem de cortiço, apenas os turistas, que moram bem e usufruem dos benefícios que a moderna ordem capitalística proporcionou aos seus países (e, talvez, estejam cansados desta ordem, da pontualidade de seus ônibus e das bumdas mínimas de suas mulheres) é que dela gostam; e vêm nela se divertir (não por muito tempo) e tirar proveito de nossa miséria alegre, como uma espécie de souvenir. E aqui são tratados como Totens. Por tudo isso o filme é alegremente trágico, e tragicamente alegre! E nem isso as releases sobre ele conseguem descrever. Elas sempre param em termos como criatividade, ironia, sensualidade e música. Ó paí, ó! Mas, apesar de suas releases, o filme é bom!