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domingo, 25 de março de 2007

SOMOS A MAIORIA

(Herbert Daniel e Liszt Vieira)
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Somos quem quer a paz. Somos quem abomina a passividade. Somos quem não quer o entulho autoritário nem o entulho utilitário. Somos quem quer nuclear nossas energias, para não mais precisar da energia nuclear. Somos quem sabe que não é verdade absoluta que todo racista é filho da puta, pois nenhum racista merece a dignidade de tal mãe. Somos quem sabe que racismo é a ditadura racial real da democratização da violência que vem desde a senzala. Somos quem acha que machismo não é papel de homem.

Somos quem quer uma política de reprodução humana que não faça de homens e mulheres bichos procriadores. Somos quem quer que o aborto seja um último recurso de quem pode escolher métodos anticoncepcionais, e não permaneça na hipocrisia de hoje, numa ilegalidade protegida por interesses contrários aos das mulheres. Somos quem afirma que a mulher deve escolher quando e como ficar grávida. Somos quem não tolera que qualquer adulto possa maltratar qualquer criança, que nenhum adulto seja dono de qualquer vida infantil. Somos quem não que abandonar a infância, nem prender o menor na minoridade. Somos quem quer poder trabalhar, morar, ir e vir, sem ter que obedecer aos padrões sexuais oficiais. Somos quem quer namorar sem a ameaça do impudor de quem vem no escuro ver. Somos quem não quer piedade, pois defeito quem tem é quem alija o deficiente físico. Somos quem não quer ser preso e torturado em asilos que são fábricas de alucinados. Somos quem não tolera o desrespeito à humanidade do preso. Somos quem quer fumar um sem a ameaça dos traficantes da violência. Somos quem não tolera a impunidade da violência. Somos quem quer um menor contingente armado de homens nas ruas da cidade, queremos menos guerra civil. Somos quem não quer se intoxicar com as drogas pesticidas, agrotóxicos, fumaças de indústrias, poluição. Somos quem não quer ver rios assassinados. Somos quem não quer ver a terra assassinada. Somos quem quer ver uma nova relação na terra, queremos viver a Terra. Somos quem está experimentando na juventude novas possibilidades de rejuvenescer a Terra. Somos quem quer ver velhos limitados ao aposentado papel de particípio passado do mundo produtivo. Somos quem não quer uma escola que prenda, somos quem quer um ensino que aprenda da vida. Somos quem não quer a tecnologia da doença, mas a arte da saúde.

Somos quem acha que qualquer maneira de amor vale a pena. Somos quem pensa que nenhuma maneira de temor vale a pena. Somos quem sabe que analfabeto é quem é espoliado por um sistema que fez da escrita um código da elite. Somos quem não quer cultura popular domesticada nos museus de folclore, nem cultura erudita domesticada nos museus vazios da hierarquização. Somos quem quer que a liberdade de expressão de pensamento seja uma matéria sobre a qual não se legislará. Somos quem quer proibir todo tipo de censura. Somos quem quer rádios livres, televisões livres, ouvintes livres, espectadores libertos do condicionamento do plim-plim. Somos quem não quer demarcar os índios na minoridade civil, mas quer ver demarcadas suas terras, suas rotas, suas setas apontando o arco das suas próprias opções. Somos quem não quer pagar dívidas que foram feitas por decisões externas à nossa vontade. Somos quem não quer pagar prestações imprestáveis a não ser para a fome de beeneagás. Somos quem não quer ser punido com a perda do emprego, nem ser punido por ser desempregado. Somos quem não quer ser punido com um emprego num trabalho intolerável, cuja condição é o massacre à mão que obra. Somos quem quer ampliar a greve como direito, para não ter que suportar o encolhimento do salário e o estiramento de uma jornada de trabalho acima de oito horas. Somos quem quer livremente se associar, somos quem na CUT quer garantir a autonomia sindical. Somos quem não quer ser punido por um lazer aviltado pelos donos do lucro. Somos quem não quer ser exportador da morte feita aço de canhão. Somos quem quer assistir paradas do militarismo e policialismo, paradas definitivas. Somos quem quer menos leis, porém melhores e mais legítimas. Somos quem não quer ser obrigado a escolher sempre entre coisas que não quer. Somos quem quer. Somos contra quem só pode mandar e impedir. Somos quem faz. Somos, todos nós, quem cria. E quem faz não precisa mandar, nem pedir. Faz. Somos a maioria.

(Extraído de
em 02/02/2006)

Um comentário:

Anônimo disse...

Acredito sempre no coletivo, que é constituído pelas individualidades. Acredito sempre que os homens e mulheres são capazes de se despojarem de orgulhos e ressentimentos para caminharem construindo novos caminhos.
Por isso, acredito que antes de ferir ou se sentir ferido o ser humano é capaz de desculpar/perdoar ou se sentir acima das palavras, apesar delas servirem para expressar o que se sente.