Eu não sou juazeirense nato, portanto não posso me portar com a mesma carga de amor que expressam aqueles que nela nasceram. No entanto, sou juazeirense! Como muitos outros que contribuem para o seu crescimento, sou emigrante vindo de Curaçá, que aqui chegou em 1990, e como me estabeleci aqui e aqui constitui família e trabalho e consumo e pago impostos para qualquer uma das atividades que exerço, não só me sinto um legítimo juazeirense, quanto me sinto apto a opiniar sobre a cidade e participar de sua cidadania. Então, é o que faço.
Quando cheguei aqui no início de 1990 e fui morar nas imediações do canal da Vila Jacaré, logo me impregnei de uma sensação de que a cidade toda fedia. Um pensamento sempre me era recorrente, estivesse eu em casa ou na rua: "essa cidade fede". Dezessete anos depois, penso que, ou os meus sentidos olfativos se acostumaram ao odor da cidade, ou ele de fato diminuiu um pouco.
Quando cheguei aqui no início de 1990 e fui morar nas imediações do canal da Vila Jacaré, logo me impregnei de uma sensação de que a cidade toda fedia. Um pensamento sempre me era recorrente, estivesse eu em casa ou na rua: "essa cidade fede". Dezessete anos depois, penso que, ou os meus sentidos olfativos se acostumaram ao odor da cidade, ou ele de fato diminuiu um pouco.
Mas, de fato, os odores permanecem, por duas breves razões, entre outras: por um lado, o canal da Vila Jacaré embora tenha sido saneado em sua parte que fica dentro da cidade em quase 100%, isso não significa que seus odores tenham sido do todo extintos. Abaixo do concreto, especialmente em messes de temperatura elevada, os odores ainda se elevam por entre as fendas das vigas que tampam o canal; por outro lado, como as lagoas de decantação, que tratam os esgotos da cidade, e o Curtume Campelo (outro produtor de fétidos odores) ficam do mesmo lado da cidade, o lado leste, isso facilita que o vento sempre traga de volta os mal-cheiros que supostamente tínhamos mandado pra longe. Some-se a isso a presença de muitos terrenos baldios, mesmo perto do centro da cidade, onde os moradores costumam jogar todo tipo de "lixo extraordinário", ou seja, um gato morto, por exemplo, que não pode ficar nos vasos ou nos sacos de lixo que são recolhidos regularmente, etc. Um suma, a cidade continua fedendo!
Mas não é isso que mais me incomoda nessa cidade. O que mais me incomoda é o fato de a gente não poder dizer isso - especialmente por ocasião de seu aniversário. Festa de aniversário é assim, parece ter sido inventada apenas para elogios, incluindo em sua etiqueta a possibilidade de você ser hipócrita e tecer elogios a algo ou alguém que diuturnamente você vive a falar mal.
No dia do aniversário de Juazeiro dei uma entrevista para a TV local. Pediram-me que falasse dos "movimentos sociais" na cidade. Achei um tema vago, desses que são inventados para evitar que realmente se discuta o que é importante ser discutido, então me intrometi e sugeri acrescentar uma parte sobre a cidade, avaliando que ela continua sendo mal planejada e precisa ser muito melhorada. Falei, mesmo sob a franja na testa do repórter, mas a entrevista não foi ao ar porque foi considerada "menos importante".
Esse tipo de coisa se parece com aquelas situações em que você é um professor numa escola caindo aos pedaços, mas que, no dia em que vai haver a visita de alguma autoridade, ela maqueia sua realidade e finge que está tudo bem, e perde a oportunidade de mostrar àquela autoridade as suas reais necessidades. Em Juazeiro as coisas são um pouco assim. A cidade parece ter sido condenada a viver enclausurada no ciclo de sua caótica fundação, dentro de um buraco topográfco, na confluência de três riachos, lugar mais baixo da redondeza, que inunda com qualquer chovisco, mas não se habitou e mirar-se em seu próprio espelho. Prefere morar em suas fantasias.
Esse tipo de coisa se parece com aquelas situações em que você é um professor numa escola caindo aos pedaços, mas que, no dia em que vai haver a visita de alguma autoridade, ela maqueia sua realidade e finge que está tudo bem, e perde a oportunidade de mostrar àquela autoridade as suas reais necessidades. Em Juazeiro as coisas são um pouco assim. A cidade parece ter sido condenada a viver enclausurada no ciclo de sua caótica fundação, dentro de um buraco topográfco, na confluência de três riachos, lugar mais baixo da redondeza, que inunda com qualquer chovisco, mas não se habitou e mirar-se em seu próprio espelho. Prefere morar em suas fantasias.
Uma dessas fantasias é a que a tem como a "Capital da Irrigação". Eu, por minha vez vivo me perguntando o que é que este título tem agregado à cidade. Onde estão os louros da riqueza da agricultura irrigada? Onde é que está a marca positiva da "capital da irrigação"? Excetuando-se o surgimento de alguns condomínios privados (febre das "classes emergentes", que mais parecem ser fruto do próprio crescimento do país como um todo, e nem se restringem a pessoas ligadas ao agronegócio) a cidade em si continua inchando de periferias por todos os lados. É mais facil até ver a ligação entre essas periferias e o agronegócio, posto que é nesses bairros desordenados, sujos e fedorentos, com esgotos a céu aberto e lixo esvoaçando nos arbustos, que os trabalhadores pobres e de baixa escolarização que servem à agricultra irrigada são obrigados a viver. Fora isso, a cidade continua crescendo desordenadamente, sem planejamento, sem distribuição e ordenação dos fluxos de seu crescimento.
Os juazeirenses detestam comparações com Petrolina - e, inclusive, como forma de compensação, inventaram um velho mito de que Juazeiro é mais "poético" do que Petrolina, e que as pessoas de Juazeiro são mais amistosas do que as mais sisudas de Petrolina. Juazeiro estaria mais para a poesia e Petrolina mais para o trabalho. Poesia aonde sarará? Pode até haver algum fundo provável de verdade nisso, mas é também verdade que Petrolina tem feito obras estruturais que atrem novos negócios e permitem à cidade crescer de forma sustentável (diz-se que ela aparece entre as melhores cidades para se viver no Brasil), enquanto Juazeiro tem feito apenas obras "plásticas", maquiagens.
A transformação do cais em orla não passou disso, não há nada de estrutural, apenas maquiagem. A construção do "M", e até a construção da Avenida Luiz Inácio Lula da Silva, não passaram disso. O "M" atendeu à demanda narcísica de um de seus administradores. A avenida Lula, por sua vez, tinha tudo para ser uma obra estrutural, mas virou obra de apelo populista. E não liga nada a coisa alguma. Começa próximo à Vila Jacaré e termina num contorno na confluência entre o canal e o leito de outro riacho, próximo ao Alto do Cruzeiro, através do qual curvamos para voltar ao ponto inicial. A própria ligação com o Alto do Cruzeiro parece mais ser fruto da contravenção dos usuários, do que de algo devidamente planejado. Há algumas ligações marginais medíocres, mas não lhe foi agregada nenuma qualidade de mudança estrutural, do ponto de vista do planejamento urbano.
A Lagoa de Calu está linda mas segue a mesma linha. Por isso, não olhe para as ruas do bairro Alto da Maravilha, que lhe dão acesso, pois você pode se decepcionar - aliás, recomenda-se que, sempre que possível, acesse a Lagoa de Calu e saia dela pelo mesmo lado: aquele acesso ao asfalto de continuação da Travessa Viana, ali á altura do trevo do Lomanto, logo depois daquele posto de Gasolina. Os outros acessos lhe mostrarão que a Lagoa de Calu é uma ilha de excelência em termos de urbanização e pavimentação, em um mar de urbanização caótica.
Juazeiro continua assim! E para completar o desencorajamento à crítica, o seu aniversário é dia de puxada. E sendo puxada, tem que ter trio e corda - nem que não haja qualquer justificativa para o uso da corda (por exemplo, não haja a quem separar pela corda). Olhe a corda... Acorda Juazeiro!
4 comentários:
continue, moço.
Ficou massa.
estes seus textos, meu caro pinzoh, são o que há de mais cheiroso, saboroso e degustativo nas letras juazeirenses... espero que eles sejam palpáveis também.
juazeiro precisa não só acordar. levantar, cupir e “amassar a comida que todos consomem” como você mesmo escreveu na poesia “a mão”, que passam por meus olhos no momento em que escrevo estas linhas... juazeiro precisa reinventar-se!
afinal, onde está a poeisa de juazeiro? não tenho dúvida de que estas esquinas se encarregam de distribuir às inspirações matéria-prima para a poesia renovar-se sempre. mas, cadê o espaço para a publicação das mesmas? cadê os concursos de literatura? cadê o incentivo às novas produções? até quando a “poesia juazeirense” continuará sendo marginalizada, negligenciada, adiada? cadê a adec? drumond perguntaria: mas existe adec?
veja você: nem esta atribuição (muito bem analisada em seu texto), de ser cidade poética, juazeiro tem competência de assumir... juazeiro é imcopetente principalmente porque o povo não se respeita... esquecem que democracia significa governo exercido pelo povo e para o povo... parece que nós somos incapazes de compreender isto... aí fica difícil acordar. sabe de uma, pinzoh, juazeiro não tem nem corda para servir de trampolim ao último gesto agoniado de um pobre vate... vou-me embora...
ass: por aí...
Meu caro Anônimo...
Suas palavras também demonstram não apenas uma clareza rara em relação a esses mitos que Juazeiro sustenta, mas apresenta uma forma invejável de imaginação textual.
Eu também vivo a resmungar que essa cidade vive de sombras, ruminando memórias para evitar assumir sua frustração. Isso tanto para a poesia quanto para a bossa nova. Nem isso Juazeiro sabe aproveitar. É uma pena!!!
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