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quinta-feira, 17 de abril de 2008

QUEM SOU?

Há dias venho me perdendo de mim
Tornei-me evasivo
Escapo na primeira chance
Depois tomo bronca de mim mesmo.

Hoje neguei-me a ser só esse
Que acorda remoendo sonhos
E cospe-os à pia do banheiro
Que barbeia-se dia sim, dia não
Que dobra as camisas e lustra os sapatos
Que almoça à mesa com a família
Que cochila no sofá da sala
E baba por um dos cantos da boca.

Mas todos os outros que assumo
Vão sempre embora pela madrugada
Depois que eu tropeço no batente da porta
E me rendo prostado na mesma cama.

No dia seguinte cuspo o que deles sobrou
Na pia do banheiro
E volto a babar pelo cato da boca no sofá da sala.


sexta-feira, 4 de abril de 2008

INCONTORNÁVEL

Não havia razão para estar ali
De olho grudado no nada
Parado em frente à TV
Sem ver o que dela emanava

Não havia sentido esse estado
Evasivo do estado de si
Ausentado da física da sala
Esvaído do peso do ser

Galopando distância indizível
Madruguei sobre vales e montes
Constatei o curvo horizonte
Num instante de pura hipnose

Era tu, que eu buscava em imagem
Se era longe, ou bem dentro de mim
Eu não sei responder, pouco importa
Já voltei do estado de transe

Resignei esse fato indelével
Da cruel distância, inefável
Que separa tua face da minha
Acordei! E procuro dormir!

GRANDES E PEQUENAS PERDAS

Os Louros de Nossa Desordem

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)

Dias 28 e 29 de março estive em Senhor do Bonfim (BA), no encontro de coordenadores de turma do TOPA (Programa Todos Pela Alfabetização) do Governo do Estado da Bahia. Um dia antes eu havia comprado, por indicação de Nilma Lino, o livro “A Gramática do Tempo”, volume 4 de “Para Um Novo Senso Comum: A Ciência, o Direito e a Política na Transição Paradigmática”, de Boaventura de Sousa Santos. No encontro, recebi ao chegar, além da pasta com lápis, caneta e bloco de papel, o livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire. Comigo já havia um caderno de anotações (uma espécie de “diário de bordo” do meu trabalho no TOPA) e minha agenda.

Esse era todo o meu material... Mas na noite do primeiro dia, depois do jantar e do forró, quando eu já ia para o hotel, deixei esse material numa mesa perto da entrada do sanitário masculino, entrei nele e, ao voltar, em um tempo muito curto, algo em torno de um minuto, já não encontrei mais esses meus pertences. A princípio achei que alguém havia guardado, ou levado por engano – mas esta última hipótese é tola, já que o tipo de material parecia inconfundível, sobretudo por que havia meu nome em todos eles e ainda os dados pessoais e contatos, tanto na agenda quanto no caderno; além disso, o livro de Boaventura Santos é bem inconfundível e aposto que alguém ali sequer o conhecesse. Anunciei no microfone e nada. No outro dia, anunciei novamente e nada. Comecei a achar que eu havia sido roubado. E fui! Ninguém viu esse material, nem no Campo Clube, onde estávamos, nem no hotel, nem em qualquer outro lugar. As pessoas só lembram que viram esse material antes que ele sumisse. Claro! Eu também!

Voltei para casa pensando sobre isso. Para que alguém quer um caderno com metade das folhas utilizadas, e igualmente para que serve uma pequena agenda com anotações que só a mim interessam? Quanto aos dois livros, duvido que quem os tenha levado se interesse por livros, e menos ainda por Paulo Freire e Boaventura de Sousa Santos. E torço para que eu esteja errado, para que quem os levou os leia e construa com eles grandes aprendizados. Mas, para mim, não apenas as informações contidas ali eram extremamente importantes, como também eu já havia lido e anotado nas bordas das páginas do livro de Boaventura Santos; já havia criado um afeto com ele – sobretudo pela definição da posição política de seu autor, ao criticar o “pós-modernismo celebratório” (niilista e desconstrucionista) e propor um “pós-modernismo de oposição”, ainda preocupado em mudar para melhor o mundo dos oprimidos e explorados. Eu estava gostando de lê-lo pela sua preferência pela abordagem “pós-colonial”, advertindo que também ai há uma perspectiva textualixta vinculada basicamente aos Estudos Culturais (como se não houve realidade de colonização para além das representações literárias) e para isso também propunha um “pós-colonialismo de oposição”.

Eu estava empolgado com esta leitura, porque ela fortalecia entendimentos meus de que esse mundo não vai tão bem assim, especialmente nos países que foram colonizados, países periféricos do terceiro mundo. Nesses países não se podem simplesmente “comprar” as idéias dos pós-modernistas do primeiro mundo, pois se nesses países a modernidade foi real (e é contra esta realidade que os pós-modernistas reclamam), tendo operado de forma significativa o equilíbrio entre regulação e emancipação (mesmo que a emancipação tenha virado o duplo da regulação), e garantindo tanto a autonomia do indivíduo quanto, paralelamente, a igualdade de direitos e as condições de participação desses indivíduos (saúde, educação, trabalho, previdência social, etc.). Ao contrário disso, nos países ex-colônias, no terceiro mundo, na periferia da modernidade e do capitalismo, as coisas aconteceram de modos muito diferentes, e ainda se luta por garantir direitos tão básicos quanto são os direitos a um nome, aos documentos pessoais, a uma terra, a uma moradia, a água, luz, saúde, educação, emprego... Estamos muito longe daquilo que a modernidade e o capitalismo garantiram principalmente aos países europeus. Há muito que construir e não podemos ficar apenas na farra desconstrucionista.

Nem bem eu havia aceitado essa perda, quando tomei conhecimento de uma outra perda muito maior. Ao chegar à minha casa e acessar o e-mail, dei-me conta de que esta minha perda era boba demais em relação àquela que me chegava em várias mensagens: a morte do professor João Francisco de Souza. Não é o fato de ele ter morrido – fim mais do que certo para todos nós. A questão é como ele morreu. O professor foi assassinado na noite de quinta-feira, dia 27 de março, durante assalto na localidade Vila de Abrantes, em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador, Bahia. De acordo com notícia divulgada pelo site do jornal A Tarde, o crime ocorreu em um condomínio localizado no Loteamento Portal de Jauá, na Estrada do Coco, durante um suposto assalto à casa do amigo do professor, na qual ele se hospedava, quando foi atingido no peito pelos supostos ladrões, ao tentar escapar. Nada foi roubado – além do mais importante: a vida do professor João Francisco.

E o que tem a ver o roubo das minhas coisas, com as idéias de Boaventura Santos contidas no livro “A Gramática do Tempo” e com a morte do professor João Francisco? Tem a ver com o fato de que um país como o Brasil não pode mais se dar ao luxo de apenas de se resignar diante de pequenas e grandes subtrações como essas. Ambas apontam o mesmo sério problema da desordem social, do enfraquecimento moral, do caos político, e da banalização de todas as formas de violência e de atentado à dignidade humana. Deveríamos perguntar ao pós-modernismo celebratório – o mesmo que se contenta em esteticizar a pobreza e se refestelar na apologia do caos – o que ele tem a dizer sobre isso. Tem a ver com o fato de que a maior parte de nossos discursos e práticas desconstrucionistas ainda não apontaram um novo paradigma que permita que se possa equilibrar de forma razoável liberdade e segurança. Ou, no dizer do próprio Boaventura Santos, como equilibrar os pilares de regulação e da emancipação, sem que se repitam os mesmos processos de exclusão e exploração? Como, evitar que desastres como esses ocorram se as reformas de base não acontecem em ritmo mais acelerado e dando prioridade àqueles que sempre estiveram à margem dos direitos e da participação social? Como, sem reforma agrária e reforma urbana? Como, sem educação levada a sério, incluindo aquela que os meios de comunicação realizam? Como, sem que se pensem em mecanismos de ordem – portanto, de regulação? Como, sem que haja punição severa para atos de banalização da violência – incluindo a abominação moral a tais atos? Como, se nos orgulhamos de nossa desordem social como se ela fosse uma qualidade fundamental de nossa brasilidade? Na Bahia – e em Salvador, principalmente; ou mesmo em Recife – parece que nos divertimos com a sujeira na rua, com o fedor, com o xixi em todo canto, com a deseducação geral, com a malandragem ordinária e o jeitinho para tudo? Como, se nos divertimos com tudo isso, e nos refestelamos nos discursos da desordem?

São esses os saldos de nossa desordem moral, social, política, educativa, econômica... Lamentavelmente!
Que venha alguma trasição paradigmática que nos livre disso!

VIGÍLIA VÃ

(Pinzoh)

Daqui de onde estou
Miro miragens gratuitas que a noite oferece
Há um gato no telhado, que parece um leão sentado
Quase um detalhe da arquitetura
Que só se vê quando é madrugada.

Agora já não há barulhos
A túnica da noite vestiu os homens e o fez pedras em sono
Pedras que sonham com pés pesados que as mexam de lugar
Para que encontrem os seus, em suas diásporas incontornáveis.
Pedras salvas pelo acaso do andar dos pés de outros
Pedras separadas para sempre pelo pisar sem coração
Pedras que não choram porque são fortes, duras...

Eu sou apenas um pêndulo pesado, em vigília.
Ouço os pulmões. Sinto-me, cheiro e textura.
Acato o que a cabeça explora em seu mecanismo meio cínico
Que não deixa espaço para ordenamentos seguros
Aceito que os músculos se expandam e se contraiam
Conforme os pensamentos avancem.
Balanço!

Há um ponto para onde volto sempre
E não é essa brecha no telhado por onde me pisca a lua
Nem é esse farfalhar dos galhos da árvore coçando a parede
Não é esse ressonar das pessoas que dormem

Volto sempre para esse nada em forma de aura
Que me leva insone às auroras claras
Que cochicha vozes às vezes aveludadas
E me diz verdades que nem ouço.

A noite vaza na inclinação do cosmo
O mote esgota-se e outro me caçoa
Imagino especiais abraços
E outros toques mais sutis no dorso
Espano palavras velhas em desuso
Estico o tempo até onde não posso
E amanheço!