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Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
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Mesa de bar é onde os papos mais inusitados se estabelecem! Algumas vezes é onde se dispõem aquelas convicções que sequer duram até o último instante da noite. Há sempre os que têm convicção de sobra e os que nada querem com a convicção. Há os que constóem uma imagem de si tentando demonstrar a clareza de suas escolhas, e os que preferem ancorar esta auto-imagem na imagem de abertura total. Em geral nem uma e nem outra são posições assim tão sustentáveis. A certa aultura da noite, estarão os sectários tentando desfazer alguma rigidez que se esconde no ecletismo dos relativistas. É só papo de mesa de bar! Mas, em compensação, é um bom exemplo de como produzimos a vida! Primeiro, a necessidade de ir ao bar! É como religião! No fundo todo mundo se fixa em alguma órbita. Alguns vão para a gnose, outros para o chá de auasca, outros para algum esoterismo oriental, outros vão para a Igreja Universal. E muitos outros vão para o Cais do Porto! Eu, entre estes!
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O mais interessante é quando a gente encontra gente muito nova querendo dar lição em gente mais vivida! Ultimamanete é isso: os meninos sempre acham que estão por cima da carne seca. Estão na crista da onda, na crista da novidade, surfando na "sociedade da infromação". De vez em quando até ficam tentando fazer com que a gente se sinta mais velho do que é. Meninos e meninas da geração saúde, que não fumam, que não bebem, que só se drogam de shoping e de moda enlatada, e que dão a entender que são muito abertos, descoladas e bonitinhas, podem até levar a gente a ficar lastimando não ter podido acompanhar melhor essa era da pegação! Ou então a gente fica tentando "agregar algum valor" à idade, pousando de quem viveu coisas sensacionais. O problema é que a certa altura do papo vem sempre uma frase do tipo "isso era no seu tempo". Que coisa horrível! Aí somos obrigados a reagir com algum "meu tempo é hoje!" Resta saber se esta geração descolada e expert em tudo, é mesmo sem preconceito, ou se tudo não passa de uma capa de exibição com verniz cafona, caretice que se esconde na maquiagem da cutis sedosa.
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O papo dessa vez era sobre liberdade, escolhas, educação de filhos, etc. Liberdade é uma dessas palavras que já não sabemos mais o que quer dizer. Os homens de negócio sabem que é preciso não haver barreiras às suas criativas formas de ganhar dinheiro e a isso chamam liberdade. A liberdade de expressão também anda por aí. Antigamente ela era um bordão na boca de uma geração silenciada pela repressão e pela grande mídia, coadunada com a repressão. Liberdade de expressão não era termo proferido pelas grandes comporações da imprensa. Pelo contrário: este era um discurso dos silenciados, dos pasquins clandestinos. Ultimamente a liberdade de expressão banalizou-se como discurso do grande conglomerado da imprensa nacional, justamente aquela que se especializou em distribuir baboseiras aos montes para imbecilização geral na nação! E qualquer proposta de questionamento disso aparece, perante o discurso dessas corporações, como sendo uma ameaça à liberdade de expressão! Em outra instância a liberdade de organização e de fé beira hoje a cartelização geral do mundo e a comercialização de Deus. A própria fé virou um bom negócio, com direito a publicidade e tudo!
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De fato, tudo virou uma questão de consumo. A indústria que dirige a promoção e a regulação do consumo (sim, por que é preciso administrá-lo, criar disposições...) tem a publicidade e a propaganda como os principais instrumentos de gestão da própria vida coletiva. E ai de quem ouse questionar a liberdade da publicidade, mesmo quando ela é explicitamente danosa e irresponsável. Nos tornamos ordas de consumidores atrás dos nossos "nichos" - palavra mais que apropriada e assimilada pelo próprio discurso do empreendedorismo. Nossa liberdade virou uma coisa estranha. Nós a temos cada vez mais, e cada vez mais somos mais prisioneiros. Construimos em nossas casas nossas prisões domésticas, aparelhadas com muros altos, grades, cadeados, microcâmeras e cercas elétricas. Temos medo de tudo, e os que podem só saem às ruas em carros com vidros blindados. Vivemos a era do medo e do pânico, muitas vezes distribuídos pela mídia de massa! Curiosa essa nossa liberdade!
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Mas, como estamos numa mesa de bar, sempre pode acontecer o inusitado. Desta vez uma garota bonita trouxe uma palavra nova. Nos disse que o mundo não é mais determinista, mas possibilista. Sonoridade nova! Coisa chique! Ora pois, mas então devem estar ensinando isso nas escolas, na Universidade! E talvez até a própria publicidade esteja se encarregando de generalizar tal novo conceito, tão importante à nossa vida contemporânea! Possibilismo! Grifo eu! E o que vem a ser isto? - pergunto. "Ah, é isso, é que hoje em dia você pode escolher, você pode decidir sobre sua vida, o que você quer ser; não tem mais esse negócio de imposição, de proibição. E você não é obrigado a gostar de uma coisa só, depende do momento..." Parece bom! Parece residir aí uma formidável imagem de abertura. Seria um devir deleuziano?
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Bom, minha curiosidade não pode esperar que a nova palavra fosse grafada nos dicionários, ou nos livros. Como um bom contemporâneo que afirma que "meu tempo é hoje", recorri ao copy & past que a internet e as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC, chique!) me possibilitam. Fui ao meu amigo Google, escorreguei até a Wikipédia (ignorei suas pendengas) e achei: "Possibilismo foi uma tendência introduzida no movimento socialista europeu que aceitava o princípio do reformismo, considerando que se devia tentar obter apenas o que era possível, o que no seu entender não incluía uma revolução proletária. O conceito teve origem na França, no seio do movimento socialista defendido por Paul Brousse, Benoît Malon e outros. O surgimento do possibilismo e de uma facção que defendia a via reformista levou à cisão do Partido dos Trabalhadores da França em 1882".
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Ora, ora! Será que as Universidades estão ensinando direito? Será que a propaganda e os workshops que trabalham também com outras palavras chiques como inovação, flexibilidade, resiliência, etc., estão colocando a palavra possibilismo no lugar certo? Essa origem um tanto política do termo será que ainda interessa a alguém? Se mexer um pouco mais vai ver que o possibilismo aparecerá de namorico com o pós-estruturalismo francês, com o pós-modernismo, com o pós-utópico, o pós-crítico e o pós-tudo... e quiça não ande de braços dados com o neoliberalismo!
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Fucei um pouco mais e encontrei, também na Wikipédia, que o "possibilismo é uma escola do pensamento geográfico (Francês) que encara o ambiente natural (a Natureza) como um mero fornecedor de possibilidades para a modificação humana, não determinando a evolução das sociedades, sendo o homem o principal agente geográfico (...). O gênero de vida não é uma consequência inevitável das condições ambientais, mas de um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiram utilizar os recursos naturais disponíveis. Juro que já vi isso, especialmente nas teorias da cultura, nas definições de territorialidade, enfim! Mas há mais: o possibilismo surgiu nos finais do século XIX, em França, como reação ao determinismo ambiental propugnado pelas correntes geográficas alemães, tendo como principal proponente Paul Vidal de la Blache. Mesmo que admita alguma influência do meio [natural, digo eu] sobre o homem, essa escola afirma que, o homem, como ser racional, é elemento ativo, portanto tem condições de modificar o meio natural e adaptá-lo segundo suas necessidades".
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Bom! Mas aqui há ainda uma ressalva a fazer. Há também um francês, chamado Edgar Morin, que em um de seus "Métodos", o IV, vai afirmar que o meio não é só natural. O meio ambiente é social, noosférico! O homem é sim o seu pricipal agente transformador, mas isso inclui todo tipo de jogo. Inclui todo tipo de força e de farsa. Os dispositivos físicos e a camada de imaterialidade constituída de todo tipo de signo, de linguagem. A cultura, a tecnosfera, a política, o negócio, a publicidade, o narcotráfico e tudo o mais! Este meio interfere sim na constituição das condutas, especialmente porque somos levados a adotar sempre uma gramática de bando. É preciso levar em conta essa nossa tão antiga - e cada vez maior - disposição para o bando, essa espécie de "espírito de bando", de experiência de "manada", o "efeito manada". Um meio que possibilita (possibilismo) e o faz em geral operando também certas convocações e mesmo certas coerções. A própria Natureza não só possibilita, mas também veta. E ai de nós que não entendamos urgentemente os seus limites!
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Menina bonita essa que pronunciou "possibilismo". Mesmo! Resta saber se ela não será a mesma que pode expressar facilmente uma espécie de caretice "de bando", típica de uma geração que se mostra demasiadamente eclética, mas que, no fundo, esconde nesse ecletismo seus fechamentos e suas limitações para o julgamento! Uma geração facilmente disposta a julgar o feio, o fora de moda, o cafona, o nada a ver! Que até vive julgando os pais em relação a isso, reclamando das combinações de roupa das mães; muitos até se envergonham dos país, não querem ser vistos com eles... Uma geração que sofre com pouca coisa, que vive com depressão, que vive se achando fora do modelo - e é dai que vem a maior parte das doenças somáticas dessa geração! Ave Maria, nunca vi uma geração tão facilmente depressiva! Eu não entendo! E onde é que entra o tal possibilismo? Será que não é um termo que apenas faz frente a qualquer regra de responsabilidade que esta geração tenta a todo custo evitar? Quais são seus outros engajamentos, fora da moda, do consumo e das fantasias elatadas? Se ainda querem transfromar o mundo, em que direção será essa transformação? Será demasiado afirmar que esta mesma geração, que diz estar à nossa frente, é a mesma que não concebe a possibilidade de ter responsabilidades?
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Voltando à liberdade, esta todo mundo quer! Ninguém, por outro lado, quer lutar por ela e bancá-la. Liberdade virou uma coisa que os pais dão aos filhos logo muito cedo, como se fosse uma penca de chaves e a autorização para dormir em casa com o/a parceiro ocasional. Liberdade é isso? Liberdade virou sinônimo de plaquinha no quarto do filho "favor bater antes de entrar, respeite minha privacidade", quando é a própria privacidade dos pais que não existe mais, nem é levada em conta. Aliás, numa sociedade paranoicamente autovigiada, é a própria privacidade como condição da liberdade que foi-se para as cucuias. Tá assim de filhos repreendendo os país por alguma bobagem, enquanto os repreensores detestam ser repreendidos. Tá assim de pai que virou refém dos filhos apenas para parecer moderno! Aliás, há de tudo - e coforme o pensamento em voga, cada caso é um caso!
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Resta saber se essa idéia de "liberdade possibilista" não está ela própria retida no limite do "copy & paste". Eu mesmo copiei e colei informações sobre o possibilismo que constam na Wikipédia, com a ajuda do meu "amigo" Google. E podemos dar por concluído o aprofundamento sobre o conceito? Há outros exemplos, como aqueles que se situam no contexto da linguística, quando se trata de discutir reformas que implicam numa tensão entre língua e identidade nacional, como ocorre no seio do chamado nacionalismo galego, em que o possibilismo acaba sendo questionado e aproximado do mero liberalismo. Ora, então pode ser isto: uma palavra nova para dizer de um novo jeito aquilo que o liberalismo já selou. Ao que tudo indica, há muito mais a conhecer sobre o possibilismo!
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Em relação à liberdade, não se trata de apenas "jogar os dados" e de deixar a porta sempre aberta. Se assim fosse, por que estaríamos nos encarcerando tanto? O que eu sei é que toda a liberdade de que se fala ultimamente está de algum modo adequada às escolhas de consumo, já vampirizadas pelo dirigismo da publicidade. Além disso, como é que eu escolho algo que não está posto para escolha? - pois uma das coisas que a lógica de mercado faz é vetar o espaço para aquilo que não se presta a ser cosumido em grandes quantias. O grosso consumo e a audiência é que mandam! A imprensa e a própria política são escravas da audiência e do espírito de bando, e se encarregam de (re)produzir o efeito manada! Para onde uns vão, todos devem ir. A própria política e a imprensa trabalham para fortalecer esta idéia, para levá-la ao extremo, à exasperação. Então, me digam onde fica a liberdade e o possibilismo nisso!
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Se em boa medida os dados já foram jogados, é preciso saber até onde essa palavra nova nos leva e o que ela se presta a esconder atrás de sua sonoridade charmosa e de sua promessa de novidade. Ainda bem que, com essa palavra ou apesar dela, há sempre a possibilidade de, lá pelas tantas, depois de vários goles, a gente mandar a seriedade ir passear, cuspir na cara das regras duras e se jogar no possibilismo! Mas se fosse só isso, por que teríamos que tolerar uma "lei seca"? Porque há também os sem noção, os exibicionistas, o individualismo, o narcisismo e o hedonismo! E é apenas para preservar o lugar de todos que certas coibições se justificam! Mas regra virou palavra feia demais, eca! Na abertura do ERECOM (encontro regional de estudantes de comunicação), que ocorreu no ano passado no DCH III/UNEB, quando um dos coordenadores da abertura disse que tinham que combinar algumas regras, o bando todo ensaiou uma vaia: "que porra de regra!". Ainda bem que houve a auto-gestão de regras. Mas regras houve!
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Fiquei pensando apenas o seguinte: e quanto a nós, os pais, ainda temos algum papel a cumprir? Não me parece que é isso que coisas como a Super Nanny, alguns episódios de novela, algumas reportagens e os novos discursos pedagógicos estão a dizer. Sinto mesmo que uma nova convocação para que os pais reassumam seu papel na educação dos filhos está ganhando vigor. E sobre o resto eu prefiro acreditar em Bárbara, minha filha, conforme o seu blog: http://blueknapsack.blogspot.com/. Ela deve saber mais do que eu sobre a sua própria geração.
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Mas é claro que, lá para as tantas, um papo como este já cansou a maior parte dos participantes - ou então já ficou animado demais e até pernicioso. Então vamos cair na bagaceira, pois como diz um outro jargão em voga no presente, "QUANTO PIOR, MELHOR". Pense numa sociedade doida! Mas não me cobre nada não viu, que eu estou na minha LIBERDADE... e a noite é uma criança (tomara que não seja mimada)!
Um comentário:
Texto limpo e atual. Eu serei sempre "jovem e liberto".
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