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sexta-feira, 9 de março de 2007

Jean Baudrillard virtualizou-se!

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
Professor do DCH III/UNEB
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Ultimamente tenho me tornado uma pessoa estranha. Tenho sempre um torpedo espinhoso apontado para a cara da mídia, e uma profunda desconfiança daquilo que nomeamos como "sociedade da informação". Desculpas rotineiras para justificar certas escolhas recorrem sempre a um tal "sistema" ou ao "gosto do povo" (mais comum quando se trata de justificar o apelo mercantil e matemático às massas consumidoras), e tais coisas funcionam como se tivessem se convertido em entidades tangíveis e irrefutáveis, às vezes com status de entes "científicos".

Ao mesmo tempo "povo" e "sistema" disputam um modo de nomear um novo "centrismo", uma espécie de nova revolução copernicana. E, no fundo, as duas coisas não tem outro referente a não ser o universo dos simulacros e das simulações. E, pior ainda, tal ponto de culminância é uma espécie de excedente transversal que não decorre de uma autoria facilmente localizável, mas é o que Baudrillard chamou de O Crime Perfeito: um crime sem autoria, sem culpado! No fundo todos nós somos seus autores!

Tal modo de encarar os fatos advém de certas lentes de visão que adquiri com a leitura de obras de Jean Baudrillard. Curiosamente meu contato com ele foi através de um pequeno livro (84 p.)chamado Senhas (Rio de Janeiro: DIFEL, 2001). E passei a desconfiar de que a atribuição de "pai da pós-modernidade" a ele remetida, é um equívoco, pelo menos em parte. Qualquer um de seus leitores sabe que ele jamais foi um ufanista da pós-modernidade, mas seu crítico, através do recurso de um niilismo irônico que só ele soube esboçar.

Sistema, gosto do povo, sondagem de audiência... Todas essas coisas não passam mais de simulações e simulacros (como cópias inautêncicas que já não se relacionam mais com seus referentes, e se alguma autenticidade pode ser atribuída a elas é por conta mesmo dessa distância original). Tratam-se de uma espécie de realidade pura, solta em sua órbita, compondo constelações que se engendram em novas galáxias! Eis o "sistema"! Eis a "Matrix". E o excesso de mensagens anulando a comunicação; o excesso de exposição erótica anulando o sexo; a reiteração banalizada do tosco anulando o gosto. Involução da espécie pelo progresso da técnica. É isso que ele expõe em A ilusão vital (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001).

Eu poderia arriscar que se houve algum niilismo capaz de nos devolver um senso crítico do ponto onde chegamos, este foi aquele praticado por Baudrillard. Outrora houve um Nietzsche. Mas hoje já não há mais nem um Jean Baudrillard. Ele morreu (tornou-se ele hiper-real?)!

Algumas palavras suas sobre o niilismo: "O niilismo é hoje em dia o da transparência, e é de alguma maneira mais radical, mais crucial que nas formas anteriores e históricas, pois esta transparência, esta flutuação é indissoluvelmente a do sistema, e a de toda a teoria que pretende analisá-la. Quando Deus morreu ainda havia Nietzsche para o dizer - grande niilista perante o Eterno e o cadáver do Eterno. Mas perante a transparência simulada de todas as coisas, perante o simulacro de realização materialista ou idealista do mundo na hiper-realidade (Deus não morreu, tornou-se hiper-real), já não há Deus teórico e crítico para reconhecer os seus" (Simulacros e simulações, Lisboa: Relógio D´Água, 1991, p. 195).

Concluira ele que o universo e nós havíamos entrado todos na era da pura simulação, numa esfera maléfica, ou pior, indiferente; um niilismo de matéria insólita que realiza-se não na destruição, mas na simulação e na dissuasão. Eis que Baudrillard aí ainda é niilista e já não o é mais, porque tornou-se seu severo observador. Seu crítico irônico! Uma ironia que evita deixar explícita sua busca pelo reconhecimento dos seus, mas não disfarça tão bem assim esta busca.

Ao invés de dizermos apenas que Baudrillard foi uma dos "pais" da pós-modernidade, é importante ainda buscar compreender a potência de suas palavras apontado, talvez, outro rumo. Mas agora é tarde, porque tudo o que dissermos a seu respeito; todo e qualquer uso que fizermos de seus textos e de suas idéias, já será mera simulação de seus efeitos. E seu autor nem mais estará entre nós para se defender. Baudrillard, daqui em diante será mera simulação. Tudo o que dele emanar será efeito dessa virtualização de sua existência; de sua presença em forma radical de ausência, ao mesmo tempo a nos dizer que a morte é o que há de mais real. E a virtualidade não passa dessa espécie de morte; dessa passagem. Desse duplo da existência em forma de inexistência.

Baudrillard agora é virtual!
Baudrillard morreu! Viva Baudrillard!
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É ele que me anima ainda a simular torpedos espinhosos contra a farsa da "sociedade da comunicação" e seus simulacros, como um um Dom Quixote em luta vã contra os moinhos de vento! Sem nem mesmo a companhia de um Sancho Pança!

Um comentário:

Cecilio Bastos disse...

Já dizia o grande Jean: "É preciso viver inteligentemente com o sistema, mas revoltar-se com suas conseqüências. É preciso viver com a idéia de que sobrevivemos ao pior".

É isso...
Viva Baudrillard!