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domingo, 13 de janeiro de 2008

O B R A S * S U S P E N S A S

Josemar da Silva Martins (Pinzoh)

Aquele Homem agora inventa títulos para os poemas e livros que escreverá.

Primeiro os títulos: “rascunhos de mim”; “todas as vezes que fui embora”; “todas as vezes que ela disse não”... Vai anotando – e imaginando o percurso de cada narrativa, o enredo, as nuances dos seus personagens, e todos, no entanto, dizem respeito à sua vida. Tem enorme consideração por boa parte deles. Mas ainda não os premiou com esta segunda vida ilustrada, cuja morada é a própria literatura.

Por enquanto entretém-se com os títulos que vai inventando: “o rico pobre” – um tratado de sócio-antropologia em forma de literatura dramática, onde cogitará a hipótese de que os ricos de antes eram melhores, pois neles havia pelo menos alguma riqueza moral. Os ricos de hoje, geralmente pobres de ontem, são também pobres de espírito, deseducados, deselegantes... Mas o Homem não desenvolve os temas contidos nos títulos que inventa. Pelo menos por enquanto interessam-lhe apenas os títulos: Mira-os como se fossem obras de arte da pintura. Obras-primas visuais! Ou, por outra, demora-se nas sonoridades de suas pronúncias. De resto, se propõe a compor imaginariamente, linha a linha, cada uma dessas obras, sejam versos, sejam livros, romances. Imagina-os virando best sellers, liderando as listas dos mais lidos, ponto em que, daí em diante, terão a chance de serem adaptados para o cinema, etc., etc., etc.

Mas o que ele precisa mesmo é de dinheiro, está devendo, mas não quer se render a uma existência ordinária; não quer ser uma variação de rico pobre, ao que prefere ser o que sempre foi: um pobre rico! Alguns lhe apontam sem rodeios: “você só quer dar uma de rico”. E ele enforcando-se, ainda escolhe marcas de vinho e inventa ocasiões especiais! Então, se o que lhe falta é exatamente dinheiro – coisa que não deve faltar aos ricos, mesmo quando pobres – então imagina formas de ganhá-lo luxuosamente, por exemplo (e a título de sugestão), como um artista das letras, de sucesso. Um escritor!!! Mas versos – que é bom! –, necas!

Tem procedimentos parecidos quando se trata de mulheres. E também lastima as mulheres com as quais não rolou. Não rolou! Tinha tudo pra rolar e não, nada. Às vezes lastima o fato de ter ido para a cama com algumas delas e ter, literalmente, dormito no ponto. “Sono da bubônica!” – diria um chegado seu, desses que quase se pode chamar de amigo! Claro que essas desventuras soníferas foram raras, pois basicamente o que ele lastima é o fato de não ter colocado em prática aquele movimento estudado, que várias vezes elaborou, e tanto o repetiu em elaboração que tal movimento foi sofisticando-se aos poucos, até tornar-se um movimento refinadíssimo. E na hora H, cadê?

Gastara dias provendo de detalhes um encontro de alcova; prevendo como desceria os dedos pelo busto da moça, como roçaria a ponta do nariz em volta do umbigo, como farejaria os pelos pubianos, como a viraria de bruços para descer as mãos quentes pelos quadris, pela parte interna das coxas e descer até a panturrilha, o calcanhar, a sola dos pés, os entre-dedos; depois subiria devagar até esbarrar nas franjas de pele que entornam as regiões mais íntimas. E, vendo que ela havia se excitado, introduziria dois dedos em sua boceta, enquanto lançaria a língua em seu clitóris... Todos os preliminares foram por ele minuciosamente estudados e planejados, até que cada moça estivesse tão “ao ponto” que imploraria para ser possuída – “vai! Mete! Mete tudo, vai!” Mas ele ampliaria o êxtase apenas com introduções mínimas e sutis, feitas por trás, avançando um pouquinho mais a cada vez, enquanto arrebitava a bunda, e ele recuando um pouco para ouvir os suplícios da moça, já aos gritos: “Ai... Vai... Aaaiiii... Vai... Vaaaiiiii!”

Tanto tempo aquele homem gastou nisso que todas as mulheres se foram embora antes que ele concluísse tais elaborações; se foram embora com homens de movimentos menos refinados, porém mais práticos e mais ágeis. Ou de pau maior que o seu – que nem era lá essas coisas! Em geral ainda resignava-se: “elas não sabem o que perderam!”. Noutras acabava masturbando-se com a imagem de uma moça de cada vez na cabeça, que ele sempre trocava na hora de gozar. Masturbava-se com uma e gozava com outra... Noutras vezes apenas fez poema:

(...)
e enquanto isso
enquanto me acanho
outros são velozes
logo te abocanham
violam os instantes
atropelam tudo
(...)

Menos mal. Mas acabava fazendo poemas sem título, sem início nem fim! Aquele Homem agora não passa dos títulos para a obra; e parece que não passa da obra para os títulos – pelo menos não passa do fragmento do poema, querendo virar escrito literário, órfão de uma nomeação. Seu problema é exatamente este. Ele começa pelo final. Pensa as capas, as contra-capas, as epígrafes, as dedicatórias, os agradecimentos, a relação sumária dos temas, as partes, os subtítulos... Pensa o corpo que nem conhece ainda, o cheiro que não sentiu – e esquece-se, porém, do principal: o que colocar dentro! Dentro dos livros ou das moças! As histórias: é preciso escrevê-las. O corpo é preciso rabiscá-lo como uma página em branco à espera da narrativa.

De todo modo – é importante considerar! – imaginar possibilidades literárias já é um modo inventá-las um pouco, por um lado; por outro, é vivê-las, mesmo que em forma de delírio. Quem sabe, porém, um dia aquele Homem passe ao universo dos atos, que é outra forma de viver as narrativas, de fato.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que deprê braba, heim Companheiro??!!!! Mas sabe que me identifiquei , e muito com esse teu texto, meio depressivo/erótico/desesperador....mas acho que somos todos meio assim, sonhamos o que queremos, planejamos o que seremos..e somos o que somos e pronto!! Mas você já é um homem das letras...e quantas letras!!!! "palavras Iluminadas" e o último "Clarice", me emocionam...adoro ler seus textos....é verdade que eu não pago pra isso, que merda né?? Ai o seu problema de grana fica na mesma...como não sou um homem das letras, e não conheço o caminho das pedras, não sei como ajudar nisso...só posso dizer que adoraria comprar um livro seu, de crônicas ou poemas (se bem que prefiro as crônicas) numa boa livraria!!! Vai em frente Companheiro, e obrigado pelos seus arrobos literários...você nem imagina o bem que faz a quem os lê. Obrigado.